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Capítulo 3 Subsídios Didáticos de Educação em Direitos Humanos

Esta parte tem por objetivos oferecer elementos para subsidiar a ação concreta na educação em direitos humanos, apresentando orientações didáticas. Não há modelos prontos, mas já há muitos subsídios disponíveis. Buscar-se-á trazer sugestões de possibilidades para tratar dos/as sujeitos/as aprendentes, do ambiente educativo, do planejamento de atividades, de recursos didáticos e de materiais educativos.

3.1 Sujeitos/as aprendentes

Nos processos educativos os/as sujeitos/as aprendentes são fundamentais. Não há educação em direitos humanos sem que sua presença e participação seja intensa e direta. Educadores/as são educandos/as e educandos/as são educadores/as, ainda que na dinâmica educativa possam cumprir compromissos e responsabilidades próprias e distintas. Assim que uma das primeiras providências para o desenvolvimento de ações de educação em direitos humanos é o (re-)conhecimento dos/as sujeitos/as que estão no processo.

O (re-)conhecimento dos/as sujeitos/as não é um acumulado estatístico de perfilamento dos/as educandos/as, ainda que se possa traçar um perfil do grupo. É um processo de interação – ninguém se educa sozinho e sim em comunhão – de construção de uma comunidade de aprendizagem. O/a educador/a tem para isso uma contribuição fundamental, como o/a mediador/a que organiza a dinâmica, convoca, motiva, mobiliza e engaja. Os/as educandos/as tem sua contribuição na participação efetiva, na realização das atividades acordadas, na efetiva interação com colegas educandos/as e o/a educador/a.

O reconhecimento das diversidades constitutivas do grupo é caminho necessário. Perceber-se diferente e perceber as diferenças, aprender a lidar com elas, construir processos de respeito é mais do que cada “tolerar” passivamente aos/às outros/as. Neste sentido, é fundamental realizar, vez por outra, atividades de interação e integração da turma, de promoção de laços cooperativos no conjunto do grupo, mas também pela formação de pequenos grupos por meio de atividades pelas quais possam ir se integrando e desde as quais ter um momento comum. Há várias técnicas para trabalhos e momentos deste tipo16. O importante é que a construção do grupo seja exercício aberto que vai muito além de firmar uma “identidade”, mas que oportunize criar ambiente para a expressão das diversidades e a convivência respeitosa entre elas.

O encontro educativo há de ser prazeroso e no qual cada um/a se sinta acolhido/a, tenha lugar e possa expressar suas dificuldades e também suas capacidades. Nunca pode ser lugar de constrangimentos ou de diminuição, de desprestígio, de opressão, de exclusão. E, caso práticas deste tipo venham a ocorrer no grupo – e elas são sempre possíveis –, o fundamental é criar condições para a mediação dos conflitos, fazer círculos restaurativos17, enfim, não “deixar passar”, mas também não transformar as práticas em oportunidades de punição, simplesmente – há que responsabilizar sim, mas há várias formas para isso. Os problemas que emergem no espaço educativo precisam ser tratados com mediações educativas e prioritariamente no próprio espaço educativo – ainda que por vezes eles não sejam suficientes e seja preciso buscar outros reforços para seu enfrentamento. Os conflitos e até as piores práticas podem ser e recomenda-se que devam ser oportunidade de aprendizagem.

3.2 Ambiente educativo

O ambiente educativo é o espaço, o lugar, a territorialidade na qual se dá a educação em direitos humanos e ela se combina com as temporalidades e as contextualidades. A educação em direitos humanos pode ocorrer em ambientes educativos formais/institucionais ou não-formais/populares. São ambientes educativos formais aquelas instituições vocacionadas à escolarização na educação básica e no ensino superior, sejam elas públicas ou privadas. Os ambientes educativos não-formais e populares são todos os espaços organizativos populares (movimentos, organizações, coletivos, grupos) e também as iniciativas formativas de organizações profissionais e dos mais diversos tipos no campo das organizações da sociedade civil (OSC).

O ambiente é educativo (ou não) e colabora (ou não) com a dinâmica educativa. Por isso é fundamental que seja preparado, organizado, estruturado de acordo com o que se pretende trabalhar e para que cumpra sua função pedagógica. A disposição de mesas e cadeiras (preferencialmente em círculo), a decoração com materiais (cartazes, imagens, faixas), o posicionamento de cada sujeito/a participante (dos/as educandos/as e dos/as educadores/as), o uso de recursos sonoros ou audiovisuais, enfim, este conjunto forma o ambiente e deve gerar uma ambientação propícia e adequada ao desenvolvimento da atividade educativa.

O local de realização da atividade dialoga com a quantidade de participantes, o formato de organização do ambiente (disposição de móveis), as condições climáticas, entre outros aspectos. O importante é que, a depender do que se planejou realizar, pode-se buscar diferentes locais: a sala de aula, o auditório, o pátio, um local específico no entorno da escola, uma comunidade ou local a ser visitado, afinal, todo local é um lugar para a educação em direitos humanos e o próprio lugar tem uma contribuição didática para a atividade a ser realizada. É muito importante que os locais não sejam “naturalizados” ou “normalizados” e, sim, sejam produzidos, preparados, organizados, para a finalidade pedagógica.

Uma observação muito importante é que o lugar seja propiciador de encontros, de diálogos, e que estes sejam prazerosos. Esta dimensão subjetiva do ambiente e da ambientação é fundamental para que cada participante se sinta à vontade para cooperar com os/as demais e para desenvolver processos colaborativos. Uma boa medida para saber o nível de satisfação é o grau de mobilização do desejo para retornar ao local e para reencontrar as pessoas e os debates realizados. Importante que a construção do espaço seja feita com a participação de todos/as os/as sujeitos/as aprendentes, sendo essencial envolvê-los/as em todo o processo.

“Botar o pé no barro”, uma expressão comum para dizer o quão importante é que se faça a imersão na realidade concreta, na contextualidade e na territorialidade na qual se faz a atividade educativa. Mas, a imersão precisa ser completada com a emersão, o “distanciar-se” dela para analisar e compreender criticamente aquelas situações. Estes dois movimentos se completam com um terceiro, que é o de inserção, por meio da qual se desdobram os compromissos práticos de atuação e de engajamento para enfrentamento das realidades violadoras dos direitos humanos presentes naquela territorialidade. Um bom ambiente educativo precisa viabilizar estes três movimentos, ao menos ao modo de ensaio.

3.3 Planejamento de Atividade

Uma atividade de educação em direitos humanos é sempre guiada por uma intencionalidade pedagógica. Por isso precisa ser planejada e preparada. A responsabilidade fundamental pelo planejamento é do/a educador/a, mas é fundamental que conte com a participação dos/as educandos/as. Não há modelos prontos de atividades, muitas são as possibilidades18.

O planejamento consiste em preparar as ações educativas adequadas a cada grupo ou âmbito no qual serão desenvolvidas. Ele dará suporte e orientação para a implantação da atividade educativa. As ferramentas de planejamento de atividade educativa são as mais variadas. Para o desenvolvimento de Planos de Ação na Educação Básica, mantemos a sugestão do subsídio que também orientará a elaboração da avaliação desta disciplina19.

Um bom planejamento de atividade educativa conta com os seguintes elementos: identificação da proposta educativa; contextualização; justificativa; objetivos; conteúdo programático; metodologias e didáticas; estratégia de avaliação; referências e subsídios. A identificação exige informar qual o tipo de atividade (se aula, curso, disciplina, intervenção....), seu nome/título, o tempo de duração, a data prevista, entre outros aspectos. A contextualização consiste em apresentar uma análise da realidade na qual se realiza a atividade, explicitando aspectos da situação, dos/as sujeitos/as e agentes e as preocupações e motivações que podem levar a identificar a problemática central, a pergunta motivadora, o eixo temático, a ser enfrentada pela atividade formativa. A justificativa estabelece as razões que tornam a realização do que se planeja como relevante, considerando os aspectos constantes da contextualização, a necessidade e importância de ser realizado e em que medida contribui para a educação em direitos humanos. Os objetivos, que podem ser subdivididos em geral e específicos, enunciam a finalidade e o onde se quer chegar com a atividade. O conteúdo programático identifica os temas a serem trabalhados, formando uma “rede temática”, um “mapa conceitual”, um esquema de assuntos, enfim, a previsão esquemática do que será trabalhado. As metodologias e didáticas apresentarão a descrição da dinâmica do conjunto da atividade, as também as dinâmicas específicas para cada momento, com as estratégias e procedimentos que serão utilizados e seus agentes responsáveis, bem como a expectativa com sua efetivação. As estratégias de avaliação farão a explicitação dos critérios e dos instrumentos que serão utilizados para que cada participante possa confrontar os acumulados de aprendizagem construídos pela participação na atividade. Referências e subsídios listam os materiais e os recursos que serão utilizados para o desenvolvimento da ação planejada. A tradução estrutural destes pontos pode ser feita de diversos modos e seguindo formatos a critério de quem se propuser a planejar.

Fundamental estar atento/a aos processos de execução dos planos elaborados e que as atividades planejadas sejam feitas por completo, ou seja, fechar conforme previsto no planejamento. É também fundamental fazer o registro da atividade com anotações e documentação que possa colaborar em processos de sistematização da experiência – o fundamental é que o processo educativo seja de “experiências feitas". No registro é importante recuperar brevemente a memória do que estava planejado e, em seguida, descrever a atividade realizada (o que aconteceu) com o máximo de aspectos circunstanciados, também é fundamental anotar eventuais limites, dificuldades, avanços, potencialidades e perspectivas, assim como percepções e impressões pessoais, além de aspectos relevantes que poderão ser realizadas em outras atividades ou como complementação ao que foi realizado. A sistematização, como se trabalhou acima, é um recurso fundamental para que se possa colher sentidos e significados das ações realizadas, aprender delas e poder, eventualmente, colocá-las à disposição para que a experiência acumulada possa ser trocada com outras.

A construção de processos de planejamento das atividades educativas é um exercício muito importante, sobretudo se feito com a participação dos/as educandos/as. Claro que seu engajamento neste processo pode não ser tecnicamente muito consistente num primeiro momento, mas pode chegar a ser... de qualquer modo, sua participação pode começar pela contextualização, a explicitação de temáticas de interesse, de questões a serem aprofundadas. As estratégias e as metodologias de planejamento participativo são recomendáveis, cabendo a quem tem a posição de educador/a coordenar o processo, pesquisar e propor metodologias adequadas ao grupo com quem será feito, enfim, providenciar as condições para o exercício efetivo da participação.

3.4 Recursos didáticos

O desenvolvimento de atividades educativas na educação em direitos humanos implica a possibilidade de utilização dos mais diversos recursos didáticos para sua implementação. Os recursos didáticos são construídos com base na intencionalidade que orienta sua utilização e ganham sentido como parte de uma atividade formativa planejada. Desse modo, não se trata de listar recursos, mas de estudar quais deles são oportunos e significativos para as finalidades que se têm com a atividade formativa. Um simples galho de árvore pode ser um excelente recurso didático para debater a importância do cuidado ambiental e de como o ambiente sadio é um dos direitos humanos, com o perdão do exemplo precário.

Os recursos didáticos são sempre “ferramentas auxiliares” do processo educativo. Eles colaboram para viabilizar a compreensão do tema, a mobilização de afetos e perceptos, o engajamento e participação numa determinada dinâmica, a instigação das disposições para agir e fazer, enfim, para colaborar com o processo educativo. Por serem auxiliares, não têm centralidade, mas precisam estar perfeita e profundamente em sintonia com o que é o principal para o qual servem. Fundamental que estejam sempre muito articulados aos conteúdos, às metodologias e aos objetivos propostos20.

Os vários recursos estão a serviço do que se quer com a atividade educativa. Assim, por exemplo, o fato de ter um quadro negro ou branco, com giz ou marcador e apagador, não necessária e naturalmente significa que precisará ou deverá ser usado na atividade educativa. Ele pode ser usado a depender do que se quer com a atividade prevista. Cartazes, revistas e jornais, textos de subsídios, materiais audiovisuais (documentários, filmes, músicas, clips musicais) e os equipamentos para sua utilização (aparelho de som, televisão, projetor, computador), bem como equipamentos para a produção de imagens e som (gravadores, filmadoras, máquinas fotográficas – hoje praticamente todos num smartphone) –, além dos que são específicos de determinadas disciplinas (um microscópio para a biologia, por exemplo), fazem sentido se engajados na atividade na qual serão utilizados.

Há recursos que são bem importantes para atividades de educação em direitos humanos: o convite a lideranças de organizações, movimentos e coletivos de direitos humanos, o conhecimento de espaços de movimentos populares e a visita a certas instituições (presídios, unidades socioeducativas, hospitais, unidades recicladoras de materiais e outros). Para estes casos é fundamental que as pessoas com as quais se vai estabelecer uma relação pedagógica sejam tratadas como sujeitos/as, com respeito e total consideração. É fundamental um contato prévio com elas para explicitar o que se espera de sua presença na atividade educativa, para que tenha uma ideia do grupo com quem vai fazer o trabalho, enfim, que se estabeleça uma relação dialógica de troca.

Outro aspecto importante a considerar é o uso de tecnologias de comunicação e os necessários cuidados a se ter com elas. Elas facilitam muito a comunicação e a interação, mas também podem ocasionar exposições indevidas e violadoras. Por isso, é muito importante acordar com o grupo que participa da atividade educativa as regras básicas de uso de equipamentos de comunicação, o que pode e o que não pode ser registrado, o que pode e o que não pode ser divulgado. Não é recomendável transformar uma atividade educativa num “big brother”.

3.5 Materiais educativos

Entre os recursos didáticos estão os materiais educativos. Eles cumprem uma função de muita importância nas atividades educativas, especialmente aquelas desenvolvidas na educação básica (livro didático, material paradidático, materiais de referência)21 e, também, cada vez mais na educação superior (apostilas, manuais, referências bibliográficas). Na educação não-formal também estão presentes nos mais diversos formatos (“cartilhas”, cadernos, revistas....). Além de servirem para dar apoio às atividades, eles cumprem um papel muito importante na dinâmica educativa.

Uma das ações da educação em direitos humanos no ambiente escolar da educação básica é, por exemplo, analisar e estudar os materiais educativos sob o olhar dos direitos humanos para perceber se efetivamente os promovem ou se são reproduzidas perspectivas violadoras ou segregadoras, entre outros aspectos. E esta dinâmica pode ser feita pelo/a educador/a da própria área de conhecimento à qual o material pertence.

Educadores/as facilmente declaram não encontrar materiais educativos para atividades específicas da educação em direitos humanos. Isso é verdade apenas em parte, pois já existem muitos materiais sobre os mais diversos temas que podem ser inspiradores de materiais que os/as próprios/as educadores/as podem desenvolver22. É muito importante que os/as educandos/as e os/as educadores/as sejam agentes formuladores de seu próprio material educativo, de modo que sua confecção possa servir de experiência concreta de envolvimento e de participação efetiva.

Insistimos que, assim como todos os demais recursos didáticos, os materiais educativos estão inseridos e fazem parte intrinsecamente, ainda que, na condição de ferramentas para auxiliar no processo educativo previsto para a atividade educativa. Assim que, não há como ter um determinado material que possa ser universalmente utilizado sem que esteja contextualizado e inserido na proposta educativa da qual é parte.

16
Ver subsídios diversos disponíveis em https://drive.google.com/file/d/15VGHTiVx9_tGOaD9FmIGfnKEMAhyJgqt/view. [Ver no texto]
17
Ver algumas referências a respeito: https://site.mppr.mp.br/arquivos/Image/Nupia/Processos_Circulares-compactado.pdf; e https://site.mppr.mp.br/arquivos/Image/Nupia/guia_do_facilitador_de_circulo_da_paz_por_kay_pranis1.pdf; e www.ufpe.br/documents/623543/624496/C%C3%ADrculos_de_Di%C3%A1logo_Base_Restaurativa_para_a_Justi%C3%A7a_e_os_Direitos_Humanos.pdf/592867ed-53fc-4d70-a682-ea757be95bef; e https://parnamirimrestaurativa.files.wordpress.com/2014/10/guia_de_praticas_circulares.pdf; e http://cdhep.org.br/wp-content/uploads/2017/07/Justi%C3%A7a-Restaurativa-Juvenil_2014.pdf. [Ver no texto]
18
Há muitas sugestões de atividades de educação em direitos humanos que podem ser encontradas disponíveis na internet. Sugerimos de modo especial as sistematizações de educação não-formal, em https://cdhpf.org.br/wp-content/uploads/2017/01/EDH_educacao-nao-formal.pdf, e de educação básica, em https://cdhpf.org.br/cat_galeria/publicacoes/pub_livros/educacao-em-direitos-humanos-sistematizacao-de-praticas-de-educacao-basica/. [Ver no texto]
19
Está disponível em www.dhnet.org.br/dados/pp/edh/mundo/nazare_plano_acao_ed_basica_local.pdf. [Ver no texto]
20
Para atuação escolar, sugere-se o material disponível em http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/profunc/equip_mat_dit.pdf. [Ver no texto]
21
Ver “O livro didático e a formação dos professores”, disponibilizado pelo MEC em: http://portal.mec. gov.br/seb/arquivos/pdf/vol1b.pdf. [Ver no texto]
22
Referimos algumas possibilidades em https://minhasatividades.com/atividades-sobre-direitos-humanos-2/ e http://catalogo.egpbf.mec.gov.br/modulos/mod-2/atividadesdh.pdf e também em www.geledes.org.br sobre questões étnico-raciais e de gênero. Ver também http://observatorioedhemfoco.com.br/observatorio/ e www.rebedh.com.br/ e www.novamerica.org.br/ e https://iddh.org.br/. Preparamos este material que também pode auxiliar: https://drive.google.com/file/d/1Y03qSJyocS4vRsaLzewgTkIQcq3YEcn_/view. [Ver no texto]
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