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Capítulo 1 Ácido Sulfúrico

1.1. Uma breve introdução sobre o ácido sulfúrico

A substância conhecida como ácido sulfúrico (veja Figura 1.1) foi descoberta na Idade Média pelo alquimista de origem islâmica Jabir Ibn Hayyann, também conhecido como GEBER. Entretanto, algumas fontes bibliográficas informam que o alquimista persa Ibn Zakariya Al-Razi que viveu durante o Século IX seja o descobridor desta substância.

Segundo o alquimista Al-Razi, o ácido sulfúrico era obtido pela decomposição de sulfato de ferro(II) heptaidratado (FeSO4∙7H2O) e/ou sulfato de cobre(II) pentaidratatdo (CuSO4∙5H2O) em óxido de ferro(II) e de cobre(II), respectivamente, produzindo água e dióxido ou trióxido de enxofre (SO2 ou SO3). A reação entre a água e o SO2 ou SO3 produz uma solução ácida, devido a formação do ácido sulfuroso ou sulfúrico, respectivamente. O ácido sulfuroso é lentamente oxidado pelo oxigênio do ar a ácido sulfúrico:

a. No caso do sulfato de ferro(II) temos:

FeSO4∙7H2O → FeSO4 + 7H2O

equação 1.1

6FeSO4 → Fe2(SO4)3 + 2Fe2O3 + 3SO2

equação 1.2

ou

Fe2(SO4)3 → Fe2O3 + 3SO3

equação 1.3

b. No caso do sulfato de cobre(II) temos:

2CuSO4∙5H2O → 2CuSO4 + 5H2O

equação 1.4

2CuSO4 → 2CuO + 2SO2 + O2

equação 1.5

ou

CuSO4 → CuO + SO3

equação 1.6

Então, em meio aquoso, ocorre a formação de uma solução ácida, como podemos verificar pelas seguintes reações químicas:

H2O + SO3 → H2SO4

equação 1.7

H2O + SO2 → H2SO3

equação 1.8

2H2SO3 + O2 → 2H2SO4

equação 1.9

Como o sulfato de ferro(II) heptaidratado e o sulfato de cobre(II) eram conhecidos como Vitriolum Goslariense e Copper Vitriol, devido a popularização deste método de obtenção do ácido sulfúrico, esse ácido ficou conhecido com o nome de Spiritus Vitrioli (ou liquor vitrioli acidus primus), preparado nos passos que envolviam a formação do dióxido de enxofre e de Oleum Vitrioli (ou liquor vitrioli acidus secundus), preparado nos passos que envolviam a formação de trióxido de enxofre.

A preparação do ácido sulfúrico utilizando salitre (nitrato de potássio, KNO3) foi primeiramente descrita por Valentinus, no Século XV. Entretanto, algumas fontes históricas informam que o cientista Johann Glauver também preparou o ácido sulfúrico pela queima de enxofre com salitre na presença de fogo, no Século XVII. Existem relatos que informam que o farmacêutico Joshua Ward começou em 1736 a produção de ácido sulfúrico em larga escala usando o método proposto por Johann Glauver.

Em 1746, John Roebuck de Birmingham (Inglaterra), introduziu a câmara de chumbo ao processo de Ward. A vantagem de usar essas câmaras estava no fato de elas serem fortes, pouco custosas e na possibilidade de serem feitas em estruturas maiores do que as de vidros que eram utilizadas anteriormente. Com algumas melhorias, o método permitiu a industrialização efetiva da produção de H2SO4, o que fez dele o método padrão por aproximandamente dois séculos. Contudo, a solução ácida produzida por esse método continha somente uma pequena proporção de ácido sulfúrico (teor = 35 – 40%). Melhoramentos introduzidos pelos químicos Louis Joseph Gay-Lussac e John Glover permitiram um aumento da concentração para 78%.

Hoje em dia, todo o fornecimento mundial de ácido sulfúrico concentrado é fabricado utilizado o processo conhecido como processo de contato, patenteado em 1831 pelo comerciante de vinagre britânico Peregrine Phillips.

O ácido sulfúrico é o produto químico inorgânico de maior produção mundial, sua produção anual está acima de 4 × 1010 kg somente nos Estados Unidos. Pelo baixo custo do ácido sulfúrico, seu uso é comum na indústria, particularmente para a produção de fertilizantes, petroquímicos, tintas e detergentes. A fórmula estrutural e de bolas de uma molécula de ácido sulfúrico é mostrado na Figura 1.1. Podemos observar, na representação da fórmula estrutural, que as distâncias médias de ligações entre os átomos de enxofre e oxigênio são diferentes, por exemplo, no caso de ligação simples a distância média de ligação S—O é 157,4 pm (1 picômetro = 10−12 metro) e no caso de ligação dupla a distância média de ligação S=O é 142,2 pm.

fig-1-1
Figura 1.1. Fórmula Estrutural do Ácido Sulfúrico. As bolas na cor vermelha representam os átomos de oxigênio, na cor branca os átomos de hidrogênio e na cor amarela o átomo de enxofre.

O ácido sulfúrico é um líquido oleoso, sem cor, corrosivo que ferve (e se decompõe) a 300 ºC. Ele tem três importantes propriedades químicas: é um ácido de BrØnsted forte, um agente desidratante e um agente oxidante. Como exemplo de propriedade desidratante, podemos citar a reação entre ácido sulfúrico concentrado com a sacarose. Ao entrar em contato com o açúcar, o mesmo é rapidamente desidratado se decompondo e produzindo uma massa espumosa de coloração negra, que se deve à presença dos átomos de carbono, representado pela seguinte reação química:

C12H22O11(s) → 12C(s) + 11H2O(l)

equação 1.10

O ácido sulfúrico é a matéria-prima mais importante na produção de fertilizantes, pois permite a extração dos nutrientes das rochas de fosfato, principal componente na fabricação dos produtos. Além disso, é crucial na indústria de celulose, sendo responsável pelo controle do pH e branqueamento do papel; na indústria siderúrgica, fazendo o acabamento superficial das chapas de aço. O ácido sulfúrico tem aplicações também nas indústrias química, de mineração e no tratamento de água. A Figura 1.2 apresenta dados referentes à produção do ácido sulfúrico no mercado brasileiro nas décadas de 1955 a 2005.

fig-1-2
Figura 1.2. Produção de ácido sulfúrico no Brasil entre os anos de 1955-2005. Fonte: ANDA (Associação Nacional para Difusão de Adubos).

A Tabela 1.1 mostra algumas indústrias no Brasil que produzem ácido sulfúrico. Como podemos observar as empresas encontram-se nas regiões Sudeste, Norte e Nordeste, sendo que a maioria delas está instalada na região Sudeste.

Tabela 1.1. Empresas produtoras de ácido sulfúrico no Brasil.

Produtor Cidade Estado Região
Caraíba Metais Dias D´Avila Bahia Norte/Nordeste
Galvani Luis E. Magalhães
Millenium Camaçari
Profertil Sta. Luzia do Norte Alagoas
Jari M. Dourado Amapá
Bunge Cubatão São Paulo Sudeste
Cajati
Araxá Minas Gerais
Copebrás Catalão Goiás
Cubatão São Paulo
CPM Juiz de Fora Minas Gerais
Elekeiroz Várzea Paulista São Paulo
Fosfertil Uberaba Minas Gerais
Galvani Paulínia São Paulo
Minera de Metais Três Marias Minas Gerais
Morro Velho Nova Lima
MSF Fortaleza de Minas
Nitro Química São Miguel Paulista São Paulo
Ultrafertil Cubatão
Fonte: ABIQUIM (Associação Brasileira das Indústrias Químicas).

1.2. O processo de contato: fabricação do ácido sulfúrico

Devido ao desenvolvimento da indústria de corantes na Europa no final do Século XIX e início do Século XX, o processo de contato tornou-se muito importante em virtude da necessidade de um ácido mais concentrado para a etapa de sulfonação. Na Europa, entre os anos de 1900 a 1925, foram construídas diversas usinas de produção de ácido sulfúrico que utilizavam a metodologia de contato, usando como catalisador a Platina, a qual foi substituída em meados dos anos 20 por um composto químico constituído por Vanádio.

Basicamente, tal tecnologia envolve as seguintes etapas:

  1. Obtenção do dióxido de enxofre (SO2);
  2. Conversão catalítica do dióxido de enxofre a trióxido de enxofre (SO3);
  3. Absorção do trióxido de enxofre.

O processo de contato foi sendo gradualmente modificado para usar a dupla absorção, ou seja, o processo conhecido como dupla catálise. Neste processo, as emissões de SO2 são reduzidas e ocorre um aumento no rendimento. O SO2 pode ser obtido a partir de enxofre, de sulfeto de ferro(II), também conhecido como pirita, sulfatos e resíduos de tratamento diversos com ácido sulfúrico (“acid sludges”). A seleção da matéria-prima a ser processada depende da influência de diversos fatores, tais como disponibilidade, aproveitamento de subprodutos e custos de secagem e de limpeza do gás. De uma forma geral, o efeito combinado desses fatores conduz, na maioria dos casos, à seleção de piritas e enxofre como matéria-prima preferencial, ficando a utilização das demais reservadas às situações em que prevalecem condições muito particulares de disponibilidade a custos reduzidos.

A Figura 1.3 representa esquematicamente um fluxograma típico de uma fábrica de ácido sulfúrico usando a metodologia do processo de contato. Como podemos ver o processo é dividido em várias etapas: transporte do enxofre; fusão do enxofre; bombeamento e atomização do enxofre líquido; secagem do ar de combustão; queima do enxofre; recuperação do calor do SO2 gasoso quente e resfriamento do gás; purificação do SO2; oxidação do SO2 a SO3 em conversores; controle de temperatura; absorção do SO3 em ácido concentrado, a 98,5-99,0%; resfriamento do ácido dos absorvedores e finalmente o bombeamento do ácido para o topo das torres de absorção.

fig-1-3
Figura 1.3. Fluxograma representativo da fabricação de H2SO4 via processo de contato.

A oxidação do SO2 a SO3 em uma usina de fabricação de ácido sulfúrico usando o método de contato leva em consideração a seguinte reação química:

2SO2(g) + O2(g) ⇌ 2SO3(g)

equação 1.11

Que pode ser representada em termos da constante de equilíbrio por:

fig-1-3-5 equação 1.12

Onde Kp representa a constate de equilíbrio para a reação química representa pela eq. 1.11 e PSO3, PSO2 e PO2 são as pressões parciais do trióxido de enxofre, dióxido de enxofre e oxigênio, respectivamente. A Figura 1.4 apresenta o comportamento obtido quando o inverso da Kp é colocado em função da temperatura.

Dados experimentais mostram que a conversão do SO2 diminui com o aumento de temperatura, assim, é sabido que a reação de formação de SO3 deve ser feita em temperatura mais baixo possível, levando em consideração o custo/benefício do processo. Como podemos ver por meio da equação 1.11, um aumento da pressão parcial do SO2 e do O2 favorece a conversão a SO3.

fig-1-4
Figura 1.4. O inverso da constante de equilíbrio para a reação de formação de trióxido de enxofre em função da temperatura.

Catalisadores

Diversos catalisadores têm sido preparados e utilizados na fabricação de ácido sulfúrico, os mais conhecidos são os catalisadores baseados em metais de transição tais como vanádio. Em geral 3-7% de V2O5 (pentóxido de vanádio) é impregnado em terra de diatomáceas. As indústrias Monsanto, American Cyanamid e Stauffer Chemical Co. são conhecidas mundialmente pela fabricação de catalisadores.

Atualmente, existem catalisadores que atuam em fase líquida tais como: pirossulfato de vanádio suportado em sílica com promotores alcalinos. Sob condições de reação, 450 – 610 ºC, o componente ativo do catalisador (vanádio) se torna como um sal derretido formando uma camada muito fina de líquido na superfície do suporte de sílica (apenas 100 – 1000 Å de espessura). A oxidação do SO2 a SO3 ocorre em ambos os sítios ativos localizados entre o filme líquido e a fronteira do filme com a superfície do suporte de sílica.

Queimadores/Tratamento do gás do queimador

O Enxofre é recebido e armazenado na forma líquida, posteriormente ele é transferido por meio de bombas do tanque de armazenamento para uma fornalha, na qual ele é nebulizado, conforme Figura 1.3. A porcentagem em geral liberada de SO2 pelo processo de queima do S está próxima de 9%, mas pode ser aumentada se for preciso. Quando se queima sulfetos, é necessário acrescentar coletores eficientes de poeira, resfriadores e torres de depuração, além de precipitadores de névoa ácida.

Conversores

Existem conversores de passos múltiplos onde a conversão global se torna bastante elevada, próximo a 98% ou mais. Sendo que para se obter uma conversão elevada é preciso abaixar a temperatura sucessivamente entre os estágios do conversor. A Figura 1.5 mostra um típico conversor de quatro etapas.

fig-1-5 AAAA
Figura 1.5. Típico conversor em quatro etapas produzido pela empresa Monsanto Co, adaptado (SHREVE; BRINK, 1997).
A - Catalisador de vanádio; B - visor; q - suporte de quartzo.

Para se produzir uma tonelada de ácido sulfúrico 100% são necessários: 30 kg de enxofre; ~ 27 m3 de água; um gasto em termos de eletricidade da ordem de 10 kWh; consumo de vapor de 1.000 kg; uma mão-de-obra de 0,18 homens-hora e finalmente um custo de aproximadamente 5% do capital.

No conversor de quatro etapas, cada estágio apresenta quantidades distintas de catalisador, assim temos:

  • 1 estágio – 19% de catalisador – conversão aproximada de 56%;
  • 2 estágio – 25% de catalisador – conversão aproximada de 87%;
  • 3 estágio – 26,7% de catalisador – conversão aproximada de 99,1% e finalmente no último estágio – 28,9% de catalisador – conversão aproximada de 99,7%.

Absorvedores de SO3

Não se pode absorver o trióxido de enxofre em água, pois o contato entre essas duas substâncias produz uma névoa ácida difícil de ser absorvida. É de conhecimento notório que o ácido sulfúrico com concentração de 98,5-99,0% é o agente mais eficiente para a absorção de trióxido de enxofre. Antes de o gás ser expelido para o ambiente ele passa por um sistema com absorvedores de SO3 contendo esse ácido. A reação química a seguir representa essa etapa do processo:

H2SO4(l) + SO3(g) ⇌ H2S2O7(l)

equação 1.13

Que reage com a água formando ácido sulfúrico concentrado:

H2S2O7(l) + H2O(l) ⇌ 2H2SO4(l)

equação 1.14

A Figura 1.6 ilustra um típico eliminador de névoa do tipo Brink feito em fibra de vidro. Esse equipamento é usado nas indústrias de ácido sulfúrico durante o processo de concentração do ácido e nos fumos da chaminé.

fig-1-6
Figura 1.6. Típico eliminador de névoa do tipo Brink, adaptado (SHREVE; BRINK, 1997).

Atividade 1.1

Uma das etapas do processo industrial utilizado para a fabricação do ácido sulfúrico é a conversão de SO2 em SO3 segundo a reação:

2SO2(g) + O2(g) ⇌ 2SO3(g)

Em um conversor de 100 L foram postos inicialmente 80 mols de cada um dos reagentes. Ao atingir o equilíbrio, foi constatada a presença de 60 mols de SO3. Calcule o valor da constante de equilíbrio (Kc).

1.3. Construindo e fixando o conhecimento

1. Uma usina geradora de eletricidade queima óleum cru que contém cerca de 1,5% de enxofre em massa. A equação química que representa a formação de dióxido de enxofre durante a queima do óleum cru é:

S(s) + O2(g) ⇌ SO2(g)

a) Qual é a massa de SO2 formada quando se queima 2,0 kg de óleum cru?

b) Em condições normais de pressão e temperatura ambiente (25 ºC e 1,0 atm), qual será o volume ocupado pelo SO2 formado no item (a)? Dados: PV = nRT; R = 0,082 atm L mol−1 K−1

2. Em uma planta de produção de ácido sulfúrico verificou-se que o trióxido de enxofre é produzido com 95% de Pureza. Supondo que seja necessário obter uma produção horária de 400 toneladas (t) de H2SO4(l), qual deve ser a quantidade de SO3 impuro que deverá ser produzida nesta planta.

3. A eficiência do queimador de enxofre em uma planta de produção de ácido sulfúrico pelo método de contato é 95% e o rendimento do conversor de quatro etapas é 90%. Baseado nestes dados calcule para uma produção de 650 t/h de ácido sulfúrico a quantidade de enxofre líquido necessária.

Referências Bibliográficas

KARPENKO V., NORRIS, J. A. Vitriol in the History of Chemistry. Chem. Listy, 96, 997-1005, 2002.

SHREVE, R. N., BRINK Jr., J.A.. Indústria de Processos Químicos. Vol. Único, trad. 4a edição; Guanabara Koogan S.A., Rio de Janeiro, RJ, 1997.

WONGTSCHOWSKI, P. Indústria Química – riscos e oportunidades. 2ª. Edição revista e ampliada; Edgard Blücher LTDA; São Paulo, SP, 2002.

ULLMANN´S. Encyclopedia of industrial chemistry. VCH, New York, NY, 1987.

DUNN, J. P., STENGER JR, H. G., WACHS, I. E. Oxidation of sulfur dioxide over supported vanadia catalysts: Molecular structure-reactivity relationships and reaction kinetics. Catalysis Today, 51, 301-318, 1999.

http://www.h2so4.com.br/h2so4/estudosprojetos/estudo_de_mercado.htm. Acesso em: 4 de abril de 2012.

http://www.anda.org.br/. Acesso em: 2 jan. 2012.

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