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Apresentação

Olá! Sejam bem-vindos! Neste livro vocês entrarão em contato com um campo que conheceu uma enorme expansão a partir do século 19: a teoria da história. Embora possamos encontrar fundamentos das reflexões sobre a natureza do conhecimento histórico ou das narrativas históricas em Aristóteles, Luciano de Samósata, Chladenius ou Voltaire, foi somente a partir do século 19 que surgiram estudos mais sistemáticos sobre a essência do fazer historiográfico.

No Brasil só muito recentemente a teoria da história conheceu maior expansão nos departamentos de História das universidades. Vale lembrar o debate pioneiro feito por Maria Beatriz Nizza da Silva na USP, durante os anos 1970, que resultaram num primeiro livro que apresentava o estado da arte, publicado em 1976. Até então, o assunto era visto como periférico, sem grande importância; as discussões no campo eram muito mais em torno de metodologia, de procedimentos de seleção, crítica e análise das fontes que em torno da reflexão epistemológica. Foi somente com a crise do marxismo e também com a chamada crise da história vivenciada no debate sobre a questão da narrativa e do problema levantado com o revisionismo e o relativismo históricos, a partir dos anos 1980, que os brasileiros começaram a se dar conta da importância das reflexões sobre teoria e metodologia na História.

De um modo geral, a teoria da história abarca o conjunto de estudos que são feitos sobre: a própria teoria ou também rubricados como epistemologia, a metodologia ou referentes aos métodos usados na pesquisa histórica, assim como a filosofia da história que pauta o debate em torno do sentido da história, a memória e suas complexas relações com a história, a narrativa ou a escrita da história, a historiografia ou a história da história e, por fim, uma área que recentemente tem sido defendida por alguns estudiosos, a chamada cultura histórica.

Foi na Alemanha, a partir das reflexões de Wilhelm von Humboldt, Barthold Niebuhr, Leopold von Ranke e Johann G. Droysen que a teoria da história conheceu enorme desenvolvimento. Ou seja, aqueles estudiosos vinculados a uma matriz disciplinar, o historicismo, foram responsáveis por responder a perguntas difíceis como: o que é a história? Qual é o fundamento do método histórico? Qual a relação entre o passado e o presente? Como devem ser escritas as histórias? A história pode ser uma ciência? De lá para cá o campo conheceu enormes avanços e passou, inclusive, a ser objeto de estudo por parte dos historiadores.

Das questões inicialmente postas, novas questões não menos importantes tem sido lançadas e continuam alimentando as reflexões e os estudos devotados à teoria da história. Dentre elas, como o problema da relação passado-presente-futuro, da consciência histórica, das representações, da complexidade da evidência histórica, da historicidade, da emergência dos grandes modelos explicativos durante o século 20 ou ainda a chamada crise da história com o advento da pós-modernidade. Buscaremos apresentar ao longo do texto os principais debates, autores e obras que marcaram a trajetória dessa disciplina tão essencial ao entendimento do conhecimento histórico.

O arcabouço teórico encontra-se muitas vezes invisível nos livros de história que lemos. Para os leigos ou para aqueles que se iniciam nos estudos históricos, nem sempre é evidente o aparato teórico-metodológico mobilizado pelos historiadores. Segundo Michel de Certeau, contudo, aquele aparato é parte integrante e esclarecedora da chamada operação istoriográfica. Em texto sobre o tema, Certeau procurar historicizar a própria história, mostrando como ela é produzida. Segundo ele, somente é possível entender como a história é fabricada se considerarmos: o lugar social do historiador, as práticas e o instrumental teórico-metodológico adotado e, por fim, as operações em torno de sua escrita e difusão. Ou seja, é como se a teoria fosse um fundamento, ou uma estrutura profunda que perpassa o texto histórico, que marcaria seu ponto de partida: a escolha do objeto, sua análise por meio de ferramentas analíticas e, por fim, a própria elaboração da narrativa que apresenta os resultados desse estudo, seja numa obra, seja num artigo científico. Esses bastidores da História, sua factibilidade, sua orientação epistemológica, o recurso aos aparatos conceituais, entre outros aspectos, integram um instrumental obrigatório para aqueles que pretendem se dedicar ao ofício de ensinar, pesquisar e aprender história.

É por isso que vocês serão familiarizados com os recentes debates epistemológicos no campo, mas também verão suas principais mudanças advindas desde os anos 1960 com o surgimento de novos objetos, métodos, abordagens e linguagens por parte dos historiadores, sobretudo diante das recentes viradas: linguística, culturalista, narrativista e ética. Assim, a partir dos grandes debates ocorridos, principalmente na França e nos Estados Unidos, quando antropólogos, linguistas, semiólogos e filósofos colocaram em xeque alguns fundamentos da validade do conhecimento histórico, será possível entender melhor o caráter da história e de seus desafios neste início de século 21. Assim como acompanhar a recepção deste amplo debate no Brasil.

É importante que você tenha uma visão clara dos objetivos que desejamos atingir com o estudo da disciplina Teoria da História I. Não deixe de ler os artigos e obras indicados, para o aprofunda-mento dos conteúdos e uma melhor participação dos debates no ambiente virtual. Sua dedicação e desempenho são fundamentais para sua aprendizagem e farão a diferença quando forem colocar em prática aquilo que aprenderam. Lembre-se de que não é possível fazer história sem o recurso ao aparato teórico, conceitual e metodológico produzido ao longo do tempo. São eles que permitem o diálogo entre o passado e o presente, bem como a mediação necessária para se realizar a crítica documental, que integra teoria e prática. Sem essas ferramentas ou clareza sobre seu significado e manejo, não é possível conhecer plenamente ou usar na prática o grande manancial de saberes produzidos pela historiografia.

No fim de sua graduação, espera-se que seja capaz de compreender os principais debates que informam o estado da disciplina histórica, que compreenda o significado da teoria da história como um conjunto de princípios orientadores da própria produção da história. É isso que confere à história seu caráter científico, nos moldes estabelecidos entre os séculos 19 e 20. Do mesmo modo, compreender que a escolha das fontes determina boa parte das respostas a serem dadas em uma determinada pesquisa. Ou ainda, que o que chamamos contexto é uma construção elaborada pelos historiadores, visto que não necessariamente traduz em sua totalidade uma realidade passada.

Diante das incertezas, do aperfeiçoamento, das constantes revisões e da reelaboração permanente da própria história, bem como da relação muitas vezes tensa ou ameaçadora estabelecida com a memória, cada vez mais se torna patente a necessidade de se conhecer o horizonte teórico do conhecimento histórico e seus principais debates, que conferem uma base de onde se erigem, se disseminam e de onde avançam os estudos históricos. Boa leitura e bom aprendizado!

Na oportunidade, gostaríamos de agradecer a leitura e a colaboração dada ao texto, durante as discussões para sua confecção, pelos mestres: Thiago Vieira de Brito e Marcelo Durão Rodrigues da Cunha. Sem vocês não seria possível ver vicejar o bom debate sobre o campo aqui na UFES. Sem as nossas discussões o ânimo, sem dúvida, não seria o mesmo. Somos poucos trabalhando no campo, mas não estamos sozinhos. Mencionamos ainda amigos generosos de jornada, cujo diálogo pontual e enriquecedor nos faz seguir avan-çando em resultados e debates profícuos junto à teoria e metodo-logia da História: Cristiano Arrais e Alexandre Avelar.

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