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Capítulo 2 Design, Jogo e Aprendizagem

Este capítulo tem como finalidade discorrer sobre o Design de Jogos e dois de seus desdobramentos educacionais: a Aprendizagem Baseada em Jogos Digitais e a gamificação na educação. O objetivo é coletar informações, identificar atributos e aspectos projetuais, para compor um instrumento de coleta de dados sobre as soluções que envolvem jogos digitais ou seus elementos, em contexto educacional.

O texto apresenta definições, elementos, aplicações, abordagens e, em seguida, aponta processos projetuais encontrados na literatura selecionada para o desenvolvimento de jogos digitais, jogos educacionais e gamificação, com a comparação das etapas. Ao final, são expressas ideias dos autores pesquisados acerca do papel do designer no contexto do desenvolvimento de jogos digitais, jogos educacionais e da gamificação.

A revisão narrativa tem por objetivo coletar dados sobre o Design de Jogos, a partir do levantamento de dados bibliográficos que apresentem a definição conceitual, definição estrutural e processual, em busca de informações sobre características dos jogos, as etapas do processo de desenvolvimento e a discussão do papel do designer no processo de design. 

O levantamento de dados ocorreu entre março e setembro de 2017, no Portal Periódicos Capes1, no Google Acadêmico2 e nas bases de dados internacionais ScienceDirect3 e SciELO4. Para o material sobre o Design de Jogos, os termos pesquisados nas bases de dados foram “design de jogos”; “processo de design”; “modelo de desenvolvimento”; “designer de jogos”; “game design”; “design process” “framework” “model”; “game development” e “game designer”. A pesquisa bibliográfica priorizou obras que abordassem um ou mais, dentre os temas: a) definição de Design de Jogos; b) características dos jogos digitais; c) etapas projetuais para a produção de um jogo digital; d) atuação do designer de jogos digitais.

Em relação à busca pelas fontes sobre a Aprendizagem Baseada em Jogos Digitais, os termos pesquisados foram “aprendizagem baseada em jogos digitais”; “design”; “designer”; “jogo” “educação”; “aprendizagem”; “game based learning”; “edutainment”; “game”; “learning”; e “serious games”. Deu-se prioridade a obras que abordassem um ou mais, dentre os seguintes assuntos: a) definição de aprendizagem baseada em jogos digitais; b) características de aprendizagem baseada em jogos digitais; c) processo para criação de aprendizagem baseada em jogos digitais; d) o designer e a aprendizagem baseada em jogos digitais.

Os termos pesquisados para as obras sobre gamificação na educação foram “gamificação”; “educação”; “aprendizagem”; “design”; “designer” “gamification”; “education”; e “learning”. Dentre os resultados, foram priorizadas obras que apresentassem um ou mais, dentre os tópicos: a) definição de gamificação; b) elementos da gamificação em âmbito educacional; c) abordagens para a aplicação da gamificação na educação; d) o designer e a gamificação para a educação. 

Foram selecionados para a inclusão nesta seção 80 estudos, divididos por temática, conforme quadro a seguir.

Quadro 2.1 – Obras e estudos da revisão de literatura sobre jogo, design e aprendizagem.
Proposta do estudo Autores Quant.
Design de Jogos, definições e seus elementos Bartle (1996); Crawford (2003); Bateman e Boon (2006); Dunniway e Novak (2008); Schuytema (2008); Adams (2010); Juul (2003); Novak (2010); Schell (2011); Salen e Zimmerman (2012); Rogers (2012). 11
Abordagens para o Design de Jogos Digitais Crawford (1984); Irish (2005); Dunniway e Novak (2008); Schuytema (2008); Adams (2010); Novak (2010); Bates (2014); Fullerton (2014). 8
Jogos educativos e Aprendizagem Baseada em Jogos Digitais Gee (2003); Mendes (2006); Mattar Neto (2008); Romão et al. (2008); Alves (2009); Tavares (2009); Mattar (2010); Novak (2010); Tori (2010); McGonigal (2012); Prensky (2012); Costa e Pafunda (2014); Fleury, Sakuda e Cordeiro (2014); Kapp, Blair e Mesch (2014); Mattar (2014); Bahia (2016); Ramos e Cruz (2018). 17
Abordagens para a criação de Aprendizagem Baseada em Jogos Digitais Garris, Ahlers e Driskell (2002); Kiili (2005); Ejersbo et al. (2008); Nadolski et al. (2008); Westera et al. (2008); Prensky (2012); Kapp, Blair e Mesch (2014); Groff et al. (2015); Bahia (2016). 9
Gamificação na Educação Deterding et al. (2011); Zichermann e Cunningham (2011); Kapp (2012); McGonigal (2012); Kapp, Blair e Mesch (2014); Landers (2014); Mattar (2014); Busarello (2016). 8
Abordagens para a gamificação na Educação Simões et al. (2013); Simões, Redondo e Vilas (2013); Landers (2014); Kim e Lee (2015); Klock, Cunha e Gasparini (2015); Urha et al. (2015); Andrade, Mizoguchi e Isotani (2016).   7
O designer de jogos digitais, educacionais e de gamificação Bates (2004); Dunniway e Novak (2008); Schuytema (2008); Chagas (2009); Tavares (2009); Novak (2010); Fullerton (2014); Linzmayer (2014); Reiners e Wood (2014); Galisi (2009); Prensky (2012); Rogers (2012); Kenski (2015b); Marklund e Taylor (2015); Mattar (2010); Mattar (2014); Raftopoulos (2014); Nicholson (2015); Ašeriškis e Damaševičius (2017); Morschheuser et al. (2017). 20
Fonte: elaborado pela autora.

A seguir, o estudo se apresenta em subseções, a saber: a) o Design de Jogos digitais e as abordagens para a produção; b) a aprendizagem baseada em jogos digitais e modelos para o desenvolvimento; c) gamificação na educação e modelos para aplicação; e d) o designer no contexto dos jogos digitais, aprendizagem baseada em jogos digitas e gamificação na educação.

As abordagens projetuais para o desenvolvimento desses projetos serão comparadas e a atuação do designer nesses contextos será discutida. Por fim, serão apresentadas as contribuições do capítulo para a elaboração de uma ficha de categorização soluções lúdicas que envolvam jogos digitais ou seus elementos.

2.1 Design de Jogos Digitais

Salen e Zimmerman (2012, p. 95) apresentam uma síntese de definições de diversos autores sobre o jogo, em contextos analógicos e digitais, conforme quadro, a seguir.

Quadro 2.2 – Elementos de uma definição de jogo.
Elementos/Autores Parlett Abt Huizinga Caillois Suits Crawford Costikyan Avedon, Sutton-Smith
Procede de acordo com regras que limitam os jogadores  
Conflito ou competição          
Orientado a objetivos/ orientado a resultados      
Atividade, processo ou evento          
Envolve a tomada de decisões          
Não é sério e absorvente              
Nunca associado ao ganho material            
Artificial/seguro/fora da vida comum          
Cria grupos sociais especiais              
Voluntário          
Incerto              
Faz-de-conta/ representacional            
Ineficiente              
Sistema de partes/ recursos e fichas            
Uma forma de arte              
Fonte: Adaptado de Salen e Zimmerman (2012, p. 95).

A partir disso, os autores definem jogo como “um sistema no qual os jogadores se envolvem em um conflito artificial, definido por regras, que implica um resultado quantificável” (SALEN; ZIMMERMAN, 2012, p. 95).

Crawford (2003 p. 6) considera que os jogos são uma forma de expressão criativa para a diversão interativa, jogável, com metas, desafios e conflitos. Segundo Schuytema (2008, p. 3), um jogo “é uma atividade lúdica composta por uma série de ações e decisões, limitada por regras e pelo universo do game, que resultam em uma condição final [...]”.

Para Rogers (2012, p. 26), o jogo é uma atividade com regras e condições de vitória, que requer um jogador. Schell (2011, p. 34) afirma que o jogo é jogado voluntariamente, tem objetivos, conflitos e regras, pode levar à derrota ou vitória, é interativo, tem desafios, pode criar valores internos próprios, envolve o jogador e é um sistema fechado formal. De acordo com o autor, “o jogo é uma atividade de solução de problemas, encarada de forma lúdica” (SCHELL, 2011, p. 37).

Juul (2003, p. 34) define o jogo como um sistema baseado em regras com o qual os jogadores interagem. As regras dão sentido e permitem ações, estabelecendo diferenças entre movimentos potenciais e eventos. São propostas pelo autor seis características necessárias para algo ser considerado um jogo: regras fixas; resultado variável e quantificável; valorização do resultado; esforço do jogador; vínculo do jogador ao resultado; consequências negociáveis.

Em relação ao Design de Jogos, Schuytema (2008, p. 3) explica com a analogia de que este é como uma planta baixa de um jogo – um plano para transformar a ideia em uma estrutura completa. Bateman e Boon (2006, p. 4) afirmam que o Design de Jogos é o processo de coordenar a evolução do design de um jogo. Tal processo pode envolver diversos agentes e componentes e é tarefa do designer integrar e garantir que os componentes criados atendam à determinada experiência de jogo.

 Adams (2010, p. 37) defende que o Design de Jogos é um ofício, que inclui elementos artísticos – uma vez que deve ser esteticamente agradável –, e funcionais, pois deve proporcionar uma experiência memorável ao jogar. Projetar essa experiência requer criatividade e planejamento cuidadoso, uma vez que o objetivo de um jogo é entreter, por meio do jogar.

Schell (2011, p. 10) afirma que para compreender o Design de Jogos, é necessário entender uma rede complexa de criatividade, psicologia, arte, tecnologia e negócios. O autor defende que Design de Jogos é o ato de decidir o que um jogo deve ser, mas que por si só, o jogo é apenas artefato. Portanto, o designer de jogos se ocupa de projetar a experiência possibilitada pelo jogo para as pessoas que o jogam – e que não necessariamente se encerra ao fim do jogo (jogar).

O autor classifica os elementos dos jogos em quatro categorias intituladas “tétrade elementar”, que coexistem de modo inter-relacionado (SCHELL, 2011, p. 41): 

  • Mecânica: entendida como conjunto de regras e a jogabilidade, o objetivo do jogo e os meios para alcançá-lo. 
  • Narrativa: é a sequência de eventos, uma história contada, que se desenvolve ao longo do jogo.
  • Estética: relaciona-se com a aparência, os sons, cheiros, sabores e as sensações; importante na construção da experiência que o jogo proporcionará ao jogador.
  • Tecnologia: é composta por materiais e interações que tornam o jogo possível de ser jogado.

Em relação aos tipos de jogos, Dunniway e Novak (2008, p. 41) reconhecem que a escolha do gênero dita o design de um jogo. Nesse sentido, os autores explicam que há quatro tipos de orientação de design: pela jogabilidade, tecnologia, arte e narrativa. O design orientado pela jogabilidade apresenta uma experiência de jogo inovadora e o design orientado pela tecnologia, por sua vez, é voltado à experimentação de elementos da programação, do gráfico ou da física. O design orientado pela arte possui foco em características visuais únicas, enquanto o design orientado pela narrativa prioriza a história e seus elementos.

Novak (2010, p. 96) declara que os gêneros dos jogos são categorias com base no tema, ambiente, apresentação, perspectiva do jogador e estratégia de jogo. Rogers (2012, p. 32) complementa que os jogos possuem muitos gêneros e subgêneros. Por gênero, entende-se um estilo característico de jogabilidade. O autor lista alguns e pontua que um jogo pode combinar vários gêneros e subgêneros na proposta da jogabilidade. 

  • Ação: requer coordenação visual-motora, cujos subgêneros são aventura de ação, ação arcade, plataforma, ação furtiva, luta, beat'em up/hack'n'slash
  • Shooter (atirador): tem foco em atirar projéteis, com os subgêneros tiro em primeira pessoa, shoot'em up e tiro em terceira pessoa; 
  • Aventura: voltado à resolução de quebra-cabeças e coleta de itens, cujos subgêneros são aventura gráfica, role-playing game (RPG), jogo on-line multijogador massivo e sobrevivência/terror;
  • Construção/gerenciamento: jogos para construir e gerenciar, com recursos limitados;
  • Simulação de vida: jogo de gerenciar relacionamentos, eventos, pessoas ou animais;
  • Música/ritmo: jogos com o objetivo de acertar determinado ritmo;
  • Festa: jogos multijogador competitivos, com minigames;
  • Quebra-cabeça: jogos baseados em lógica e padrões;
  • Esportes: são baseados em competições atléticas ou controle de atletas pelo jogador;
  • Estratégia: jogos de pensamento tático e planejamento, com subgêneros estratégia em tempo real, estratégia em turnos, e jogos de defesa de torre;
  • Simulação de veículos: jogos simuladores de direção de diversos veículos, com subgêneros corrida e voo.

Segundo Novak (2010, p. 82), as plataformas mais comuns para os jogos são fliperamas, console, computador, plataformas on-line, consoles portáteis e smartphones. Os jogos podem ser jogados em modo monojogador, dois jogadores, multijogador local, multijogador em rede e multijogador on-line (NOVAK, 2010, p. 90).

Segundo Marucchi-Foino (2012, p. 10), os tipos de projeção gráfica em jogos são 2D, 2.5D e 3D. A projeção ortográfica 2D é a mais simples, em que a profundidade é mínima. A projeção ortográfica 2.5D proporciona acesso à terceira dimensão, para aumentar a impressão de profundidade. A projeção em perspectiva simula o ambiente em três dimensões, considerando o ângulo de visão da cena. 

Kapp, Blair e Mesch (2014, p. 275) explicam que um “jogo 3D” faz uso de gráficos tridimensionais e permite movimento em todas as três dimensões, enquanto um “jogo 2D” possui gráfico e movimentação limitadas a duas dimensões. Os autores discorrem acerca das possibilidades tecnológicas para a implementação, que envolvem software, motores de jogo (game engines) e/ou linguagem de programação. 

Com relação aos motores de jogo, esses são usados para estruturar o jogo em sistema que permite interação do usuário e que reaja a essas interações, por meio dos mecanismos de entrada (inputs) e saída (outputs). Os autores explicam que os motores para criação de jogos em duas dimensões, de modo geral são simples de usar, com interface baseada no visual e interações de arrastar e soltar, mas que linguagens de script podem ser usadas para ampliar as funcionalidades. Alguns motores para o desenvolvimento de jogos em duas dimensões citados pelos autores são: GameMaker5, GameSalad6, Construct27 e Stencyl8 (KAPP; BLAIR; MESCH, 2014, p. 278). 

Os motores para a criação de jogos em três dimensões tendem a ter um conjunto separado e especializado para a renderização de gráfico e física, que geralmente requerem programação em linguagens tais como C#9, C++ e Lua10. Além disso, é comum que a produção de modelos gráficos de cenário e personagens seja feita com softwares específicos de modelagem, como Maya11, 3ds Max12 e Blender13. Os autores citam alguns motores para o desenvolvimento de jogos em três dimensões: CryEngine14, Torque 3D15, Unity16 e Unreal Engine17; e ferramentas para o desenvolvimento, tais como HTML518 e o programa Adobe Flash19 (KAPP; BLAIR; MESCH, 2014, p. 279).

2.1.1 Abordagens para a produção de jogos

Esta seção tem por objetivo apresentar diversas abordagens para o Design de Jogos levantadas nesta pesquisa. Serão apresentados modelos projetuais, que serão discutidos e comparados, a fim de cotejar as etapas e compreender as semelhanças, diferenças e as lacunas.

Dunniway e Novak (2008, p. 40) alertam que não há modo certo ou errado de projetar um jogo, mas diferentes meios para fazê-lo. Bateman e Boon (2006, p. 5) afirmam que, embora possa existir um bom método para projetar jogos, isso não significa que tal método é aplicável a todos os casos, que sempre será relevante ou que é igualmente útil para todos os tipos de jogos. Os autores apontam a importância de conhecer e explorar diversos métodos, para ter mais opções, uma vez que o design de um jogo reflete as necessidades de um contexto projetual.

A abordagem metodológica de Crawford (1984, p. 49) foi e ainda é muito difundida, por considerar questões basilares ao desenvolvimento de jogos. Apesar de se tratar de uma abordagem antiga, a coerência e originalidade para a época em que foi divulgada a tornam pertinente. O autor indica as seguintes etapas: escolha de um tema; pesquisa e preparação; processo de design; pré-programação; programação; testes; e lançamento. 

  1. Escolha de um tema: define como o jogo cativará o jogador, dos pontos de vista emocional e motivacional, expressa a meta, o ambiente, as condições e eventos.
  2. Pesquisa e preparação: etapa para pesquisar ideias similares e esforços anteriores, reunir ideias e quesitos desejáveis.
  3. Processo de design: define a estrutura de interação, com inputs (meios de entrada para interagir com o jogo) e outputs (meios de saída, que fornecem feedback sobre as ações), enquanto a estruturação do jogo deve prever as ações e possibilidades de resolução de desafios.
  4. Pré-programação: etapa para preparar a estrutura de programação que traduzirá o esquema de entradas e saídas e o sistema do jogo em um produto. Para tal, é preciso definir tarefas e seu fluxo de realização.
  5. Programação: fase de tradução das estruturas de design definidas em produto jogável, por meio de programação em códigos de linguagens.
  6. Testes: estágio de realização de testes para refinar o jogo e averiguar se há falhas na programação. Esses testes podem ser realizados de modo interno, apenas com a equipe e, posteriormente, com membros externos. Ao final dessa etapa, o jogo será preparado para lançamento.
  7. Post mortem: após o lançamento do jogo, dedica-se atenção às críticas do público.

Novak (2010, p. 340) pontua questões ao descrever o processo de design de um jogo, que compreendem indagações sobre os componentes de cada etapa, as maneiras de gerenciar equipes e as formas de documentar as etapas. São evidenciados os seguintes passos do processo: conceito, pré-produção, protótipo, produção e pós-produção.

  1. Conceito: envolve a criação e o registro da ideia do jogo, de modo sucinto e objetivo.
  2. Pré-produção: nessa fase ocorre a documentação do jogo, por meio da elaboração dos documentos: de conceito, da proposta do jogo, de design do jogo, documento técnico de design, guia de estilo da arte, plano de projeto e plano de testes (NOVAK, 2010, p. 363).
    1. Documento de conceito: o documento do conceito informa, de modo pontual, o objetivo e o diferencial do jogo, a experiência do jogador e a viabilidade de execução do projeto.
    2. Documento de proposta do jogo: apresenta informações complementares sobre o que atrairá e manterá o público, o modo de jogar, os recursos, a tecnologia e os aspectos visuais.
    3. Documento de design do jogo (game design document): é o mais longo e detalhado documento para uso interno da equipe como guia de referência, com informações sobre o modo de jogar, a história, a interface e as regras do jogo.
    4. Guia de estilo da arte: estabelece o aspecto visual do jogo e serve como referência para a produção.
    5. Documento técnico de design: descreve aspectos e funções do software ou motor de jogo para guiar a produção de transposição do conceito em um projeto jogável.
    6. Plano de projeto: envolve o cronograma das atividades e planejamento de recursos ao longo do desenvolvimento.
    7. Plano de testes: envolve procedimentos para verificar o funcionamento e revisar o jogo.
  3. Protótipo: etapa que pode envolver a criação de protótipo analógico e digital, sendo este último fundamental para demonstrar e traduzir a ideia para o ambiente interativo.
  4. Produção: fase de desenvolvimento e elaboração das versões alfa, em que o jogo pode ser jogado do início ao fim, com interface básica e elementos temporários, com foco em dar acabamento a elementos e realizar ajustes; beta, com a conclusão da implementação e correção de problemas; e ouro, em que o produto é fabricado, testado e lançado.
  5. Pós-produção: fase de lançamento de versões para melhorias, correções, atualizações, conteúdos adicionais ou expansões.

Bates (2004, p. 203) esclarece que o ciclo projetual de alguns jogos dura seis meses, embora o de outros possa durar muitos anos. Independente da duração do projeto, há fases bem definidas, sendo essas: desenvolvimento do conceito, pré-produção e desenvolvimento.

  1. Desenvolvimento de Conceito: essa etapa envolve a criação do “high concept”, que geralmente descreve o jogo de modo sucinto, em sentença breve que contempla o gênero do jogo, a jogabilidade, as funcionalidades e os aspectos, o cenário, enredo, público-alvo, a plataforma, o planejamento, cronograma e orçamento. Além disso, envolve o desenvolvimento do “pitch document”, um folheto resumido que apresenta a proposta do jogo, a justificativa e a rentabilidade; e do documento de conceito do jogo, que é mais longo e descritivo, direcionado aos publishers.
  2. Pré-produção: fase que envolve o desenvolvimento de documentos, tais como o “documento de design do jogo”, a “bíblia da arte” e o “documento técnico de design”. O documento de design do jogo descreve de modo minucioso tudo o que envolve a experiência do jogador e os elementos relacionados à jogabilidade. Esse documento é extenso e deve ser feito de modo a facilitar ao designer realizar modificações e à equipe, consultar. A bíblia da arte é o documento que apresenta o plano de produção de arte, descreve e ilustra os elementos, as referências e as características da linguagem visual do jogo, para servir de guia para as demais criações visuais, além de traçar o percurso de produção para a transformação dos conceitos visuais em ilustração ou modelo tridimensional. O documento técnico de design, por sua vez, contempla requisitos de ferramentas, tecnologia, estrutura, orçamento e cronograma para o desenvolvimento. Por fim, o resultado tangível da etapa de pré-produção é o protótipo, que deve permitir entendimento e visão em poucos minutos.
  3. Desenvolvimento: nessa etapa ocorre a produção do jogo, com testes constantes. Esse processo requer comunicação frequente entre os membros da equipe e controle do tempo e do orçamento. Nessa etapa, são geradas versões alfa (em que o projeto é jogável, embora nem todos os componentes estejam finalizados e integrados) e beta (em que o projeto está com todos os componentes implementados e em fase de testes, correções e aprimoramentos). Depois de concluídas todas as modificações, o jogo é fabricado. Após o lançamento, deve-se considerar a necessidade de desenvolver e disponibilizar extensões para compatibilidade ou melhorias.

Irish (2005, p. 16) apresenta métodos de produção de software: “Code-like-hell, Fix-like-hell” e “Increments to completition”. O método Code-like-hell, Fix-like-hell, segundo o autor, se trata de um modelo comum e antigo, também conhecido como “método extremo de desenvolvimento de jogo”. O processo prevê as seguintes etapas: design; codificação e teste; e conclusão. 

A etapa de design é a de definição do conceito e requisitos do projeto; a etapa de codificação e teste ocorre de modo cíclico, ao longo do desenvolvimento; e a etapa de conclusão se dá após a finalização de implementação e correção de todos os elementos. Em suma, os programadores codificam rapidamente para implementar o que foi definido no projeto e, após isso, testam e realizam ajustes. De acordo com o autor, esse modelo é problemático, pois deixa espaço para erros que, por vezes, são descobertos quando o código já está em desenvolvimento avançado. É um modelo que geralmente se adequa a projetos pequenos, com poucos e simples requisitos, pela dificuldade em mantê-lo por muitos meses.

De acordo com Irish (2005, p. 17), “Increments to completition” é um método de melhorias finitas e funciona para projetos em que o motor de jogo e as ferramentas a serem usadas já existam, e que cada peça e elemento seja um incremento. Esse processo fornece a vantagem de permitir desenvolvimento mútuo ou independente de vários componentes.

Inicialmente, são definidos os requisitos mais complexos do jogo e, posteriormente, definidos níveis de design menos complexos. Para cada nível de design, um ou mais componentes do sistema são desenvolvidos. No desenvolvimento, eles são codificados e testados e, antes de sua inserção e integração ao sistema, este é novamente testado.

Esquema 2.1 – Abordagem Increments to completition
Esquema com palavras dentro de retângulos, interligados por linhas. No topo, dois retângulos interligados. No retângulo da esquerda, o texto REQUISITOS DE NÍVEL ALTO DO DESIGN DO JOGO. No retângulo da direita, o texto PROJETOS INICIAIS DE NÍVEL INFERIOR. Ligado a este retângulo, embaixo, dois retângulos interligados. No retângulo da esquerda, o texto ELEMENTO-CHAVE DO SISTEMA (RENDERIZAÇÃO). No retângulo da direita, o texto ELEMENTO-CHAVE DO SISTEMA (LÓGICA DO JOGO). Embaixo de cada um destes retângulos, há uma linha, que se conecta a um texto CODIFICAR E TESTAR, rodeado por duas setas. Embaixo de cada texto CODIFICAR E TESTAR há uma linha que se conecta a um retângulo. Nos dois retângulos, o texto TESTE DO SISTEMA. Ligado a cada um destes, dois retângulos. No da esquerda, o texto INTEGRAÇÃO COM O CÓDIGO DE TODO O JOGO, ARTE OU DOCUMENTO DE DESIGN. No retângulo da direita, o texto Integração com o código de todo o jogo. Fonte: Irish (2005, p. 17, tradução nossa).

De acordo com Fullerton (2014, p. 414), o processo de produção de jogos é complexo e custoso. As etapas gerais, segundo a autora, são: conceituação; pré-produção; produção; garantia de qualidade; e manutenção.

  1. Conceito: o conceito do jogo é gerado, com o objetivo de apresentar a ideia a um publisher. Junto a esse conceito, é apresentado um plano de projeto com metas, orçamento e cronograma, além de justificada a competência da equipe desenvolvedora. Essa etapa tem duração aproximada de um mês.
  2. Pré-produção: é produzido um protótipo digital com um nível jogável ou um ambiente do jogo, com foco em apresentar funcionalidades diferenciadas. Também deve ser preparado o documento de design com as especificações detalhadas do jogo. Essa etapa tem duração de aproximadamente cinco meses.
  3. Produção: é a etapa mais longa e custosa, com o objetivo de executar o plano estabelecido nas etapas anteriores. Os programadores escrevem o código que faz o jogo funcionar, artistas ilustram e animam e designers de som criam música e efeitos sonoros. O objetivo da etapa de produção é chegar ao código “alfa”, com todas as funcionalidades implementadas. Essa etapa pode durar cerca de 15 meses.
  4. Garantia de Qualidade: ao final da produção, o jogo é testado, avaliado e ocorre o refinamento. Ao final do polimento, chega-se ao código “ouro”, em que o jogo não apresenta mais problemas ou pendências e está pronto para ser lançado. Essa etapa dura cerca de dois meses.
  5. Manutenção: após o lançamento do jogo, a equipe acompanha o feedback dos jogadores e lança extensões e aprimoramentos para corrigir eventuais problemas. Essa etapa é contínua.

A autora explica que, no início do projeto, as possibilidades são abertas e gerais, mas ao longo do processo são reduzidas as alterações no design inicial.

Esquema 2.2 – Etapas de desenvolvimento.
Esquema projetual. Dentro de um retângulo branco há um triângulo cinza invertido, com a ponta para baixo. O retângulo e o triângulo são divididos em seções, por linhas. Na primeira linha, a seção com a palavra CONCEITUAÇÃO. No triângulo, há os dados DOCUMENTO DE CONCEITO, PLANO DE PROJETO E ORÇAMENTO, CONTRATO. Na segunda linha, a palavra PRÉ-PRODUÇÃO. No triângulo, os dados PROTÓTIPO JOGÁVEL, ESPECIFICAÇÕES DE TECNOLOGIA, DOCUMENTO DE DESIGN. Na terceira linha, a palavra PRODUÇÃO. No triângulo, os dados COMPONENTES, NÍVEIS, CÓDIGO ALFA. Na quarta linha, as palavras GARANTIA DE QUALIDADE. No triângulo, os dados CÓDIGO OURO. Na ponta do triângulo, a palavra LANÇAMENTO. Embaixo, na quinta linha, a palavra MANUTENÇÃO. Fonte: Fullerton (2014, p. 414, tradução nossa).

Acerca de métodos ágeis, Novak (2010, p. 354) corrobora que o processo de desenvolvimento de um jogo assemelha-se ao de um software, sendo esse modelo chamado de processo de desenvolvimento iterativo, que apresenta as seguintes fases: design, protótipo e avaliação. A autora assegura que a essência desse modelo é o refinamento contínuo do processo.

Fullerton (2014, p. 17) apresenta o “Iterative process” e explica que “iteração” é um processo cíclico de design, teste e avaliação dos resultados, ao longo do desenvolvimento de um jogo. Trata-se de desenvolvimento ágil – um método para o desenvolvimento de software –, que possui uma variante popular entre designers de jogos, denominada “Scrum”. As etapas do processo apresentado pela autora são seis, a saber: 

  1. Brainstorm: com o objetivo de definir metas, conceito ou mecânica de jogo e documentar as ideias.
  2. Protótipo físico: elaborar um protótipo jogável de papel, testá-lo e descrever as funções do jogo em um documento de poucas páginas.
  3. Apresentação: nessa etapa se apresenta o protótipo, a fim de demonstrar a jogabilidade e os aspectos visuais para arrecadar fundos e obter feedback sobre a proposta.
  4. Protótipo digital: envolve criação de um protótipo para demonstrar a jogabilidade, com foco no sistema e suas funcionalidades. 
  5. Documentação: registro das decisões, funções e dos aspectos técnicos do jogo para guiar a produção.
  6. Produção: etapa para tornar o que foi documentado palpável.

Esse método organiza equipes em grupos menores e funcionais, que priorizam curtas tarefas diárias, de modo iterativo. As iterações e revisões periódicas exigem comunicação frequente. Para a autora, trata-se de um método apropriado ao desenvolvimento de jogos, pois proporciona mudanças com fluidez para resolver os problemas que surgem no processo de design (FULLERTON, 2014, p. 413). 

Para exemplificar, a autora explica o processo: 

  1. Escolha de metas para a experiência do jogador;
  2. Concepção de uma ideia ou sistema;
  3. Formalização da ideia por meio de documentação ou prototipagem;
  4. Avaliar os resultados. Caso sejam reprovados, o processo retorna ao passo inicial; se necessário, são feitos ajustes e novos testes; caso sejam aprovados, esse processo de iteração encerra e outro é iniciado.

Irish (2005, p. 19) afirma que o modelo “Iterate until you drop” é flexível e proporciona adaptações e mudanças ao longo do processo de desenvolvimento. Nessa abordagem, após definidos os requisitos de design do jogo, são determinados os de nível inferior. Cada componente é codificado e testado para, em seguida, o sistema com o componente ser testado e, por fim, integrado ao código do jogo. Após cada requisito ter seu ciclo de desenvolvimento completo, outro se inicia.

Esquema 2.3 – Abordagem Iterate until you drop.
Esquema de retângulos interligados por linhas. Do lado esquerdo, retângulos interligados. No topo, um retângulo com o texto REQUISITOS DE DESIGN DO JOGO. Embaixo, um retângulo com o texto NÍVEL INFERIOR DEFINIDO. No retângulo seguinte, rodeado por duas setas, o texto CODIFICAR E TESTAR. Embaixo, um retângulo com o texto TESTE DO SISTEMA. No retângulo seguinte, o texto INTEGRAÇÃO COM O CÓDIGO DE TODO JOGO. Este retângulo está interligado por linha que se divide em outras linhas com setas, que apontam para os retângulos acima. Ao lado direito, retângulos interligados. No topo, um retângulo com o texto NOVO REQUISITO DE DESIGN DO SISTEMA. Embaixo, um retângulo com o texto NÍVEL INFERIOR DEFINIDO. No retângulo seguinte, rodeado por duas setas, o texto CODIFICAR E TESTAR. Embaixo, o texto QUANDO COMPLETO. Este texto está interligado por linha que se divide em outras linhas com setas, que apontam para os retângulos acima. Fonte: Irish (2005, p. 20, tradução nossa).

Bates (2004, p. 218) complementa que o desenvolvimento ágil privilegia pessoas e interações, ao invés de processos e ferramentas; um programa em funcionamento, ao invés de documentação; colaboração com o cliente, ao invés de negociação por contrato; responder a mudanças, ao invés de seguir o plano. Para tanto, é preciso compreender os objetivos projetuais, desenvolver um plano e cronograma técnico, entender os problemas que surgirão e trabalhar para evitá-los. O autor acrescenta que o desenvolvimento ágil é útil em projetos em que nem todos os requisitos são compreendidos desde o início, ou tecnologias devem ser criadas, ou ainda, em que o cliente está envolvido. 

Por fim, o autor pondera que projetos em que os requisitos são conhecidos e a tecnologia é estável, sequências e extensões podem ter um desenvolvimento adequado com metodologias tradicionais. O “modelo cascata” conta com uma progressão ordenada e funciona melhor com tudo bem definido desde o início, sem prever mudanças. Seu fluxo envolve o desenvolvimento do conceito; análise de requisitos; design estrutural; detalhamento do design; codificação e depuração; e testes (BATES, 2004, p. 225).

A partir da pesquisa bibliográfica, foram constatadas algumas semelhanças entre as fases do processo de design. Alguns autores dividem o processo projetual em pré-produção, produção e pós-produção, enquanto outros descrevem mais etapas. Independente da linearidade ou iteratividade no processo, as etapas principais presentes nos métodos consultados são:

  • Pré-produção:
    1. Conceituação: fase conceitual do processo, com ênfase na definição de requisitos projetuais e do conceito do jogo, verificada sob os temos: escolha de um tema, conceito, desenvolvimento de conceito, concepção, pré-produção, design, definição de requisitos, análise de requisitos, brainstorm.
    2. Estruturação: etapa de organização dos elementos necessários, a partir do conceito, em que é estruturado o projeto, relatada sob os temos: pesquisa e preparação, processo de design, design, pré-programação, pré-produção, protótipo, concepção, definição de requisitos, brainstorm, protótipo físico, apresentação, protótipo digital, documentação, detalhamento do design.
  • Produção:
    1. Produção: fase de execução do planejamento feito nas etapas anteriores e desenvolvimento do sistema e da produção e implementação dos elementos do jogo, apresentada pelos termos: programação, produção, elaboração, codificação e teste, codificação e depuração.
    2. Testes: estágio em que o jogo e os componentes implementados passam por diversos testes e melhorias, conferido pelo uso dos termos: testes, produção, elaboração, produção, desenvolvimento, codificação e teste, codificação e depuração.
  • Pós-produção:
    1. Lançamento: passo existente, constatado e considerado após a conclusão do desenvolvimento e da produção do jogo, não relatado como parte do processo de design, segundo a literatura consultada, pois essa é uma atribuição do publisher.
    2. Manutenção: etapa do processo que ocorre após o lançamento e compreende o acompanhamento do uso para verificar se são necessários ajustes ou atualizações no jogo, aferida perante os termos: post mortem, pós-produção, aperfeiçoamento e desenvolvimento.
  • A partir dessa estrutura, as etapas e as terminologias verificadas em cada método estão apresentadas no quadro comparativo, a seguir.

    Quadro 2.3a – Comparação das etapas projetuais e nomenclaturas de Design de Jogos Digitais.
    PRÉ-PRODUÇÃO
    Conceituação Estruturação
    Game design sequence
    (Crawford, 1984)
    escolha de um tema pesquisa e preparação, processo de design, pré-programação
    Processo de desenvolvimento de jogo
    (Novak, 2010)
    conceito pré-produção, protótipo
    Design process
    (Adams, 2010)
    concepção elaboração
    Ciclo de desenvolvimento de um game
    (Schuytema, 2008)
    pré-produção pré-produção
    Game development lifecycle
    (Bates, 2004)
    desenvolvimento de conceito pré-produção
    Code-like-hell, Fix-like-hell
    (Irish, 2005)
    design design
    Increments to completition
    (Irish, 2005)
    definição de requisitos definição de requisitos
    High-level stages of development
    (Fullerton, 2014)
    conceito pré-produção
    Modelo cascata
    (Bates, 2004)
    desenvolvimento do conceito, análise de requisitos detalhamento do design
    Processo de Design Iterativo
    (Fullerton, 2014)
    brainstorm brainstorm, protótipo físico, apresentação, protótipo digital, documentação
    Iterate until you drop
    (Irish, 2005)
    definição de requisitos definição de requisitos
    Fonte: Elaborado pela autora.
    Quadro 2.3b – Comparação das etapas projetuais e nomenclaturas de Design de Jogos Digitais.
    PRODUÇÃO
    Produção Testes
    Game design sequence
    (Crawford, 1984)
    programação testes
    Processo de desenvolvimento de jogo
    (Novak, 2010)
    produção produção
    Design process
    (Adams, 2010)
    elaboração, aperfeiçoamento elaboração
    Ciclo de desenvolvimento de um game
    (Schuytema, 2008)
    produção produção
    Game development lifecycle
    (Bates, 2004)
    desenvolvimento desenvolvimento
    Code-like-hell, Fix-like-hell
    (Irish, 2005)
    codificação e teste codificação e teste
    Increments to completition
    (Irish, 2005)
    codificar e testar, integrar com o sistema codificar e testar, teste do sistema
    High-level stages of development
    (Fullerton, 2014)
    produção garantia de qualidade
    Modelo cascata
    (Bates, 2004)
    codificação e depuração codificação e depuração
    Processo de Design Iterativo
    (Fullerton, 2014)
    produção produção
    Iterate until you drop
    (Irish, 2005)
    codificar e testar, integrar com o sistema codificar e testar, teste do sistema
    Fonte: Elaborado pela autora.
    Quadro 2.3c – Comparação das etapas projetuais e nomenclaturas de Design de Jogos Digitais.
    PÓS-PRODUÇÃO
    Lançamento Manutenção
    Game design sequence
    (Crawford, 1984)
    entre testes e post mortem post mortem
    Processo de desenvolvimento de jogo
    (Novak, 2010)
    entre produção e pós-produção pós-produção
    Design process
    (Adams, 2010)
    não prevê aperfeiçoamento
    Ciclo de desenvolvimento de um game
    (Schuytema, 2008)
    entre produção e pós-produção pós-produção
    Game development lifecycle
    (Bates, 2004)
    desenvolvimento desenvolvimento
    Code-like-hell, Fix-like-hell
    (Irish, 2005)
    não prevê não prevê
    Increments to completition
    (Irish, 2005)
    não prevê não prevê
    High-level stages of development
    (Fullerton, 2014)
    após garantia de qualidade manutenção
    Modelo cascata
    (Bates, 2004)
    não prevê não prevê
    Processo de Design Iterativo
    (Fullerton, 2014)
    não prevê não prevê
    Iterate until you drop
    (Irish, 2005)
    não prevê não prevê
    Fonte: Elaborado pela autora.

2.2 Aprendizagem baseada em Jogos Digitais

Diversos autores salientam o potencial educacional dos jogos digitais – sejam eles projetados com esse propósito específico ou não. Segundo Novak (2010, p. 75), os jogos educativos, também conhecidos como “entretenimento educativo” (edutainment), são desenvolvidos especificamente para fins pedagógicos, para apresentar assuntos no próprio jogo – projetado para ensinar, enquanto diverte. Além disso, a autora afirma que os jogos que não são projetados especificamente para a educação acabam se tornando educativos “por acidente”, em função de fatores motivacionais que estimulam habilidades, obtenção e aplicação de conhecimentos e geram aprendizado (NOVAK, 2010, p. 77).

McGonigal (2012, p. 13) esclarece que as pessoas procuram os jogos pelas emoções proporcionadas, pois são sentimentos difíceis de alcançar.

“Os jogadores querem saber: onde, no mundo real, existe esse sentimento de estar inteiramente vivo, focado e ativo em todos os momentos? Onde está a sensação de poder, de propósito heroico e senso de comunidade experimentados pelo jogador? Onde estão as explosões de alegria típicas de jogos criativos e estimulantes? Onde está a empolgante emoção de sucesso e vitória em equipe? [...] O mundo real simplesmente não oferece com tanta facilidade os prazeres cuidadosamente elaborados, os emocionantes desafios e o poderoso vínculo social conquistado em ambientes virtuais. A realidade não motiva com tanta eficácia. Ela não foi concebida para maximizar nosso potencial e não foi planejada para nos fazer felizes. [...] A realidade, em comparação aos jogos, se esgotou”

(MCGONIGAL, 2012, p. 13).

Nesse sentido, a autora disserta sobre o uso de elementos dos jogos em contextos educacionais: subir de nível, por exemplo, pode substituir ou complementar o tradicional sistema de pontuação e notas, pois todos podem progredir, se houver esforço. Para a autora, esse sistema pode reduzir o estresse causado pelas falhas, estimulando os estudantes (MCGONIGAL, 2012, p. 136). Juul (2013, p. 30) complementa que, quando falhamos nos jogos, recebemos um feedback sobre nossos erros. Desse modo, o autor afirma que o jogo é a “arte do fracasso” – trata-se de um fracasso temporário, por meio do qual fazemos experiências e experimentos, para melhorarmos e atingirmos as metas.

Para Gee (2003, p. 34), os princípios de aprendizagem incorporados por jogos bem projetados podem tornar o aprendizado em âmbito educacional – e fora dele –, mais envolvente, tal como quando se joga de modo reflexivo e estratégico. Segundo o autor, os jogos proporcionam aprendizagem de modo ativo e crítico do domínio semiótico aprendido para a resolução de problemas em outros domínios semióticos, a partir de inter-relações entre os múltiplos sistemas de signos. Desse modo, estudantes podem aprender, explorar e percorrer caminhos diversos no espaço do jogo, em que as consequências do mundo real são baixas e a prática e a experimentação não são entediantes (GEE, 2003, p. 207).

Quadro 2.4 – Princípios de aprendizagem em jogos bem projetados.
Princípio Descrição
Identidade Os jogadores se comprometem com o mundo do jogo e assumem novas identidades, por meio das quais aprendem e atuam.
Interação O jogo fornece feedback e novos problemas, exigindo ação e interação.
Produção Os jogadores são codesigners e geram jogadas diferentes e individualizadas, a partir de suas ações e decisões no jogo, além do fato de alguns jogos permitirem modificação e a construção de novos.
Arriscar Bons jogos diminuem as consequências das falhas e encorajam a continuar a explorar e tentar outras estratégias.
Personalização Os jogadores podem personalizar o jogo para adequá-lo, por meio de níveis de dificuldade diversos, que exigem habilidades específicas.
Controle O jogador tem um sentimento de ação, controle e propriedade sob o que está fazendo.
Problemas bem estruturados Os jogadores enfrentam problemas que os levam à formulação de hipóteses para resolver desafios mais difíceis.
Desafio e consolidação O domínio e sua consolidação vêm por meio de repetição, para ser desafiado novamente e manter o ciclo de expertise.
Na hora certa e sob demanda Jogos fornecem informações precisamente quando jogadores precisam delas, as querem e podem usá-las.
Significado situado Jogos fornecem novas palavras e seus significados de modo ancorado à experiência a que se referem.
Fracasso prazeroso Os jogos proporcionam um nível adequado de dificuldade aos jogadores, que os mantêm desafiados.
Pensamento sistêmico  Jogos estimulam o jogador a pensar relações, ao invés de fatos isolados, e como envolvê-las nas ações para resolver os desafios.
Explorar, pensar lateralmente, repensar metas Jogos estimulam explorar e não pensar apenas linearmente, para restabelecer objetivos regularmente.
Ferramentas inteligentes e conhecimento distribuído O conhecimento requerido para jogar um jogo é distribuído entre pessoas reais e personagens virtuais, com habilidades específicas.
Equipes misturadas Os jogadores, ainda que em equipe, possuem especialidades e funções diferentes, que juntas, se integram, para solucionar um desafio.
Elaborado pela autora, baseado em Gee (2003, p. 34-37).

De acordo com Gee (2007, p. 18), a aprendizagem ativa envolve experiências em relação ao mundo de novas formas, considerando imagens, palavras, símbolos, artefatos, e assim por diante, em aspectos e domínios semióticos, para formar novas conexões e preparar para aprendizagens futuras. Segundo o autor, o próprio ato de jogar implica em obter conhecimentos sobre as regras e possibilidades e, quando postos em prática, geram experiência, aprendizagem ativa e crítica, e estabelecem relações no jogo e fora dele.

Novak (2010, p. 75) corrobora que jogos educativos são aqueles criados para ensinar, e baseiam-se na aquisição de conhecimentos ao jogar e nos fatores motivacionais essenciais para o aprendizado. Além da obtenção e aplicação de conhecimentos, há outras formas de aprendizado atuando na maioria dos jogos, senão em todos. A autora complementa que estes podem melhorar as habilidades físicas e mentais e cita os serious games, jogos usados por empresas, entidades, governo, ou pelo terceiro setor para treinar, informar, recrutar ou divulgar.

Prensky (2012, p. 208) define a Aprendizagem Baseada em Jogos Digitais como “qualquer jogo para o processo de ensino-aprendizagem em um computador ou on-line”, que funciona em razão do envolvimento e do processo interativo. Para o autor, acrescentar diversão ao processo de aprendizagem contribui para que este se torne mais agradável, envolvente e eficaz. A aprendizagem baseada em jogos pode desempenhar um papel importante na interiorização de conteúdos que não motivam de forma intrínseca, mas que precisam ser apreendidos (PRENSKY, 2012, p. 44).

O autor sintetiza que os jogos divertem, proporcionam prazer, satisfação, envolvimento intenso e passional; as regras promovem estrutura; as metas possibilitam motivação; a interatividade viabiliza a ação; as vitórias gratificam o ego; a interação gera grupos sociais; os enredos emocionam; os resultados e o feedback proporcionam aprendizagem; os conflitos, desafios, as competições e oposições favorecem adrenalina; e a solução de problemas estimula a criatividade (PRENSKY, 2012, p. 156). Além disso, Prensky (2012, p. 179) explica que, ao jogarmos, alcançamos um estado de concentração intensa, denominado “fluxo” pelo psicólogo Mihaly Csikszentmihalyi. 

Chen (2008, n. p.) afirma que o fluxo é o estado atingido ao encontrar um equilíbrio dinâmico entre o desafio de uma atividade e a habilidade para cumpri-lo. Segundo o autor, há na proposta de Csikszentmihalyi oito elementos principais no fluxo: uma atividade desafiadora que requer habilidades; um misto de ação e consciência; objetivos claros; feedback; concentração na tarefa; senso de controle; perda de consciência própria; transformação do tempo – embora nem todos esses sejam necessários para ter a experiência de estado de fluxo (CHEN, 2008, n. p.). O autor explica que o jogo deve ser intrinsecamente recompensador e oferecer uma quantidade de desafio que seja compatível com as habilidades do jogador, além de permitir que esse sinta controle sobre a atividade do jogo.

Tori (2010, p. 98) explica que para entrar e continuar em estado de fluxo ao jogar, é preciso equilibrar as habilidades do jogador e o desafio proposto pelo jogo. Entretanto, caso o desafio seja muito superior às habilidades, o jogador ficará ansioso e desistirá. Caso as habilidades sejam muito maiores que o desafio, o jogador ficará entediado.

Esquema 2.4 – Canal de Fluxo.
Gráfico cartesiano formado por seta vertical e horizontal, que estão unidas pela origem. À esquerda, ao lado da seta vertical para cima, a palavra DESAFIOS. Na linha horizontal, abaixo de uma seta para a direita, a palavra HABILIDADES. O gráfico é preenchido por um retângulo cinza, com uma faixa branca da base esquerda ao topo direito do retângulo. Na área cinza, à esquerda da faixa branca, a palavra ANSIEDADE. Na faixa branca, as palavras CANAL DE FLUXO. Na área cinza, à direita da faixa branca, a palavra TÉDIO. Fonte: Adaptado de Tori (2010, p. 98).

O autor pontua que é papel do designer de jogos facilitar a entrada do jogador no canal de fluxo e dificultar sua saída, por meio da adequação do desafio ao nível de habilidade, durante o jogo. 

Segundo Mattar Neto (2008, p. 6), o uso de jogos possibilita um nível mais profundo e intenso de interatividade – devido ao estado de fluxo –, que proporciona concentração ou completa absorção, motivação e imersão. 

Romão et al. (2008 p. 161) esclarece, entretanto, que é preciso aumentar a dificuldade progressivamente para que o aluno assimile novas informações gradualmente, conforme avança no jogo. Prensky (2012, p. 180) ratifica que um dos desafios é manter o estudante-jogador em estado de fluxo no jogo e na aprendizagem, ao mesmo tempo.

Kapp, Blair e Mesch (2014, p. 49) afirmam que há uma diferença entre jogos que ensinam como fazer algo e jogos que testam o que o jogador já sabe, mas que é comum a confusão e o engano ao escolher um dos dois tipos. O primeiro apresenta informações sobre como fazer algo, seguido de uma tarefa, e auxilia o jogador a ajustar comportamento, com base no que o jogo fornece; enquanto o segundo tipo tem a finalidade de fazer o estudante recordar informações já fornecidas em outro contexto, fora do jogo. Além disso, os autores explicam que a escolha do tipo de jogo dependerá de diversos fatores, tais como as limitações projetuais, os recursos e a capacidade projetual da equipe. Outrossim, é preciso pensar em como os tipos de jogo podem combinar os padrões de mecânica aos tipos de conhecimento, habilidades e atitudes (KAPP, BLAIR E MESCH, 2014, p. 208). 

Prensky (2012, p. 220) apresenta 13 tipos de conteúdos de aprendizagem a serem aprendidos (fatos, habilidades, julgamento, comportamentos, teorias, raciocínio, processo, procedimentos, criatividade, linguagem, sistemas, observação e comunicação). Para esses, o autor propõe atividades e algumas opções para aprendê-las, relacionando-as com estilos de jogos possíveis.

Quadro 2.5 – Tipos de conteúdos de aprendizagem.
“Conteúdo” Exemplos Atividades Estilos de jogos possíveis
Fatos Leis, políticas, especificações de produtos Perguntas
Memorizações
Associações
Treinos
Competições, como programas de televisão; Jogos que utilizam cartões; Jogos mnemônicos; de ação e de esportes.
Habilidades Entrevistas, ensinar a vender, operar uma máquina, gestão de projeto Imitação
Retorno
Treinamento
Prática contínua
Crescentes desafios
Jogos de estado persistente
RPG
Jogos de aventura
Jogos de detetive
Julgamento Decisões de gestão, tempo correto, ética, contratações Revisão de casos
Fazer perguntas
Fazer escolhas
Retorno
Treinamento
RPG
Jogos de detetive
Interação entre múltiplos jogadores
Jogos de aventura
Jogos de estratégia
Comportamentos Supervisionar, exercitar o autocontrole, dar exemplos Imitação
Retorno
Treinamento
Prática
RPG
Teorias Lógica de marketing, como as pessoas aprendem Lógica
Experimentação
Questionamentos
Jogos de simulação abertos
Jogos de criação
Jogos de construção
Jogos que testam a realidade
Raciocínio Pensamento estratégico e tático, análise de qualidade Problemas
Exemplos
Enigmas
Processo Auditorias, criação de estratégias Prática
Análise e desconstrução de sistemas
Jogos de estratégia
Jogos de aventura
Jogos de simulação
Procedimentos Montagem, procedimentos legais de bancários Imitação
Prática
Jogos com tempo contado
Jogo reflexivo
Criatividade Invenção, configuração de produto Jogos
Memorização
Enigmas
Jogos de invenção
Linguagem Acrônimos, línguas estrangeiras, jargões de negócios ou profissionais Imitação
Prática contínua
Imersão
RPG
Jogo reflexivo
Jogos com cartões
Sistemas Cuidado com a saúde, mercados, refinarias Entender princípios
Tarefas graduadas
Jogar em microuniverso
Jogos de simulações
Observação Humores, motivação, ineficiências, problemas Observação
Retorno
Jogos de concentração
Jogos de aventura
Comunicação Linguagem apropriada, tempo correto, desenvolvimento Imitação
Prática
RPG
Jogo de reflexo
Fonte: Adaptado de Prensky (2012, p. 220-221).

Observa-se que, dentre os estilos de jogos possíveis para os 13 tipos de conteúdos de aprendizagem listados, o RPG foi o mais frequente, sugerido para cinco tipos de conteúdo (habilidades, julgamento, comportamento, linguagem, comunicação); seguido por jogos de aventura, indicado para quatro tipos de conteúdo (habilidades, julgamento, processo, observação); por jogos de simulação, citado para três tipos de conteúdos (teorias, processo, sistemas) e de reflexo, também listado para três tipos de conteúdos (procedimentos, linguagem, comunicação).

Ainda sobre as possibilidades de uso de jogos na educação, Gallo (2007, p. 165) aponta que os jogos permitem um maior envolvimento por parte do aluno-jogador, facilitando a transmissão de conhecimento e o processo de aprendizagem. O autor cita duas formas de aplicação dos jogos na Educação: a) o desenvolvimento de jogos para contextos e conteúdos específicos; b) a utilização de jogos existentes no mercado a partir de uma abordagem diferenciada.

De acordo com Costa e Pafunda (2014, p. 114) o jogo pode ser utilizado como peça central de uma unidade de trabalho; como estímulo inicial; ou ainda, como meio para que o jogador reflita e melhore seu desempenho. As autoras pontuam as vantagens da utilização dos jogos na educação, dentre as quais são destacadas: a fixação e o desenvolvimento de conceitos de forma motivadora; a participação ativa do aprendiz na construção do conhecimento; e a socialização entre participantes.

Segundo Alves (2009 p. 142), a interação com os jogos pode desenvolver o raciocínio lógico, a criatividade e a capacidade de solucionar problemas, além de possibilitar exercitar a tomada de decisões, como contribuição para a formação do estudante, por meio da experiência do jogo, que pode promover aprendizagem dinâmica e interativa.

Tori (2010, p. 185) explica que a interatividade do jogo aumenta a sensação de presença e de aproximação. Segundo o autor, os educadores buscam alunos atentos, motivados e produtivos tal como em seus jogos favoritos e, para isso, os professores devem tornar suas aulas mais divertidas, interativas e desafiadoras.

Fleury, Sakuda e Cordeiro (2014, p. 74) descrevem os benefícios do uso de jogos digitais educacionais: o jogo possibilita progressão personalizada e apropriada, por meio da experiência e do ritmo do processo de aprendizagem de cada aprendiz; permite repetição e fornece ao estudante o controle de sua aprendizagem – o que propicia o aumento de engajamento; aborda mais de um tema por vez, de modo lúdico, e oferece simulações sobre importantes conceitos e conteúdos, exercícios e práticas.

Ramos e Cruz (2018, p.23) afirmam que ao adotar os jogos como recurso para a aprendizagem, deve-se fazê-lo com um enfoque globalizador, em conformidade com uma formação mais holística e integral, que priorize o “saber fazer” e o “saber ser” para desenvolver o autoconhecimento, a problematização, o exercício crítico e o convívio com o outro. Para as autoras, os jogos atuam sob formas de aprendizagem distintas, tais como:

  • Aprendizagem conceitual: apresenta fatos, informações, conteúdos conceituais e factuais, por meio de desafios, interação, repetição e memorização; 
  • Exercício de habilidades: em um ambiente seguro, de modo procedimental, permite a repetição de ações que envolvem habilidades, por meio das quais são explorados métodos e exercitadas técnicas, estratégias e habilidades, promovendo ação e reflexão sobre o fazer;
  • Exercício de modos de ser: por meio de conteúdos atitudinais e comportamentais, permite ao estudante assumir papéis, realizar ações, interagir com outras pessoas, criar vínculos sociais e relacionais.

Mendes (2006, p. 80) explica os jogos educativos são direcionados para públicos específicos, com conteúdos e tecnologias orientados para cumprir objetivos de ensino, planejados como ferramentas de aprendizagem, compostos por conteúdos de currículos escolares. McGonigal (2012, p. 134) declara que a produção desses exemplares é cada vez maior e, quando são bem-sucedidos em combinar design e conteúdo educativo, esses proporcionam envolvimento aos alunos com suas atividades. 

Bahia (2016, p. 82) afirma que projetar jogos educativos que proporcionem experiência cultural e aprendizagem significativa é o desafio dos profissionais que atuam na área, pois cada contexto educacional tem suas especificidades e cada conceito de jogo tem consistência própria. 

Nesse sentido, a autora defende que é preciso voltar o foco para o desenvolvimento de jogos digitais que se apresentem como “conhecimento de ponta”, mesmo sem dispor de “tecnologia de ponta”, desde que a proposta seja adequada aos recursos disponíveis (BAHIA, 2016, p. 100). 

A esse respeito, Mattar (2014, p. 44) acrescenta que “não são as imagens ou a multimídia, mas a jogabilidade que devemos aproveitar dos games em educação”. De acordo com o autor, os jogos oferecem personalização e adaptação individual aos jogadores, de um modo que os professores muitas vezes não conseguem atingir. Para tanto, é preciso considerar o aprendizado e a jogabilidade em primeiro lugar, além do conteúdo e dos objetivos de aprendizagem (MATTAR, 2010, p. 84).  

O autor informa a necessidade da avaliação se fazer presente nos jogos educacionais, que pode contar com a participação síncrona ou assíncrona de professores, ou ocorrer por discussões e atividades escritas ou práticas, para relacionar a experiência do jogador ao currículo e avaliá-la. 

Prensky (2012, p. 209) alega que a maioria dos jogos comerciais ainda requer uma revisão quase completa para possibilitar o uso em âmbito educacional. Tori (2010, p. 99) complementa que usar um jogo existente, sem alteração, envolve procurar um jogo adequado e definir o momento ideal de uso. Apesar disso, a tentativa de envolver o aluno pode fracassar, caso a atividade que, embora seja lúdica, venha a ser percebida como obrigação, já que não houve a participação do aprendiz na decisão de escolha e no modo de uso. Já a criação de jogos educativos, segundo o autor, geralmente tem seu fracasso atribuído à falta de comprometimento com o foco em engajamento e jogabilidade, para atender unicamente a demandas do projeto pedagógico.

Mattar (2010, p. 17) pontua que há uma dicotomia entre games educacionais (entediantes) e games comerciais (divertidos) e é preciso facilitar o aprendizado com games, ao invés de ensinar com games. Com base nisso, o autor explica que o aprendizado tangencial ocorrerá, com parte da audiência em um processo de autoeducação, quando é apresentado a assuntos potencialmente de seu interesse, em contexto envolvente.

Prensky (2012, p. 504) alerta que, apesar das muitas críticas aos jogos de aprendizagem – “edutenimento” –, isso não ocorre porque o conceito de edutenimento é falho, mas em razão da existência de alguns jogos desse tipo mal projetados. O autor afirma que toda a educação boa é, e sempre foi, edutenimento e, por isso, condenar o gênero, em função da existência de algumas obras ruins, é um erro.

O autor argumenta que o problema das abordagens que propõem elementos a serem inseridos em um jogo para que esse seja bem sucedido no contexto educacional é que essas informações não garantem um bom resultado projetual – razão pela qual tantos jogos para aprendizagem são entediantes e ineficientes. Tavares (2009, p. 243) reforça que buscar relações de aprendizagem, sem tornar o jogo tedioso, não é uma tarefa fácil.

Por fim, a melhor maneira de combinar os jogos digitais e aprendizagem em qualquer situação depende do público (idade, experiência anterior com jogos); do assunto; do contexto; da tecnologia disponível; dos recursos; e da maneira como se planeja viabilizar a distribuição (PRENSKY, 2012, p. 212).

2.2.1 Abordagens para a Aprendizagem Baseada em Jogos Digitais

Nesse item, serão apresentadas e comparadas abordagens para o desenvolvimento a aplicação de abordagens para a Aprendizagem Baseada em Jogos Digitais, com a intenção de compreender e cotejar as etapas basilares das propostas pesquisadas.

Bahia (2016, p. 82) informa boas práticas para desenhar jogos que proporcionem aprendizagem significativa, tais como: realizar um levantamento de referências com propósitos similares; conhecer, jogar e ler sobre jogos; dialogar com desenvolvedores de jogos; gerar um conceito de jogo e documentá-lo; definir escopo compatível com os recursos; e considerar o perfil do usuário, suas referências e expectativas. 

No âmbito da aprendizagem baseada em jogos digitais, Prensky (2012, p. 473) explica que a motivação deve vir em primeiro lugar, seguida de reflexão, individualização e conteúdo. O autor descreve um modelo:

“Uma pessoa (o “professor”), com profundo conhecimento sobre o assunto, pensa: “Sabe, eu poderia fazer disso um jogo?” Isso acontece por si só ou porque alguém (“o produtor”) lhe apresentou essa oportunidade. O professor reflete sobre o assunto e pensa sobre o jogo por um tempo, buscando elementos que poderão ou não funcionar. Cada vez mais, eles se voltam aos jogos comerciais – desenvolvidos para adultos ou crianças – para modelo, ideias e inspiração. O professor faz o protótipo, por conta própria, ou solicita ajuda de outros para fazê-lo. O protótipo passa por inúmeras interações, fortalecimento e melhoramento da ideia. O professor, quase sempre trabalhando com o produtor, arrecada fundos e cria o jogo. Se o jogo funcionar, ele é vendido para outros clientes fora da organização de criação, podendo ser eventualmente vendido a um distribuidor. Normalmente, surgem diversas extensões da ideia original em outras áreas, com novos conteúdos. Surgem também os imitadores, alguns que simplesmente copiam e alguns que melhoram a concepção. O jogo é continuamente atualizado sempre que cada onda de tecnologia de um novo jogo e hardware leva a uma atualização na “aparência e sensação” do produto. Dadas essas atualizações, um excelente conceito inicial pode durar por um bom tempo”

(PRENSKY, 2012, p. 522).

Esse modelo pode ser resumido nas seguintes etapas: ideação, concepção, prototipagem, produção, distribuição e atualização.

  • Ideação: o professor tem uma ideia, mediante uma oportunidade;
  • Concepção: o professor reflete sobre a ideia e define elementos;
  • Prototipagem: o professor produz e aperfeiçoa o protótipo; 
  • Produção: o professor arrecada fundos e cria o jogo;
  • Distribuição: o jogo é vendido e distribuído;
  • Atualização: o jogo é atualizado constantemente, mediante mudanças na tecnologia.

Ao longo do processo, o autor destaca elementos importantes: ter uma clara visão geral do projeto como um todo; manter o foco na experiência do jogador; criar um jogo com uma estrutura forte, porém adaptável; o jogo deve ser fácil de aprender – mas difícil de dominar e deve manter o jogador em estado de fluxo; oferecer recompensas, ao invés de penalidades; incluir exploração e descoberta; oferecer assistência por meio de dicas e ter uma interface útil (PRENSKY, 2012, p. 192).

Quadro 2.6 – Princípios e diretrizes para uma abordagem baseada em jogos digitais.
Princípios  Diretrizes
1. Motivação Como farei que o meu público enfoque isso? 
Qual a motivação eu posso usar? 
Há jogos nessa área? Eles são adequados ao meu público? 
Esse tópico é importante o suficiente para criar um jogo? 
Posso colocar o conteúdo em um modelo de um jogo? 
Algo já criado pode ser modificado? Há alternativa, que não seja um jogo, para motivar as pessoas que escolhem não jogar?
2. Reflexão Como fazer o público pensar criticamente no processo de aprendizagem baseada em jogos digitais?
O jogo incorpora reflexão na proposta ou é preciso realizar ações (discussões ao vivo, encadeadas, tarefas por escrito, conversações com um instrutor por e-mail e por voz) para promovê-la?
3. Individualização Como posso ajudar a dirigir este treinamento da melhor forma possível para cada participante? 
Há escolha de jogos para estilos diferentes de aprendizagem? 
Há alternativas para os que escolhem não jogar? 
Há formas de adaptar o treinamento ao nível de habilidade?
4. Conteúdo Como posso abordar o tema e estruturar a proposta de forma que a motivação, a reflexão e a individualização exigem?
Fonte: Elaborado pela autora, com base em Prensky (2012, p. 473-474).

Garris, Ahlers e Driskell (2002, p. 444) apresentam o modelo “Input-process-outcome” com o objetivo de motivar o aprendiz por meio do design de um programa instrucional que incorpore características e funcionalidades de jogos. Essa combinação deve resultar em uma jogabilidade motivadora, que impulsiona o ciclo do jogo – o componente-chave –, por meio do qual o jogador o joga muitas vezes, continuamente, em ciclos de interpretação-comportamento-feedback

O momento de julgamento provoca uma reação no jogador, que pode ser proveniente de interesse, satisfação, envolvimento com a tarefa e confiança. Essa reação de julgamento gera comportamento e ação, para os quais o sistema fornece um feedback, que causa reinterpretação, julgamento e reação, continuamente. Em seguida, esse engajamento no jogo leva a alcançar os objetivos do treinamento e gera os resultados da aprendizagem.

Por fim, os resultados de aprendizagem gerados podem ser cognitivos, (de conhecimento declarativo, processual e estratégico); baseado em habilidades (relacionados a habilidades técnicas ou motoras); e afetivos (vinculados a atitudes e autoconfiança). Nesse processo, a avaliação é fundamental, para que a experiência no jogo ou simulação seja descrita, analisada, discutida e vinculada ao mundo real, de modo a permitir ao estudante interpretar esses eventos como uma experiência de aprendizagem (GARRIS; AHLERS; DRISKELL, 2002, p. 455).

Esquema 2.5 – Modelo Input-process-outcome.
Ao lado esquerdo, a palavra ENTRADA. Ao centro, a palavra PROCESSO. Abaixo, as palavras CICLO DE JOGO. À direita, a palavra SAÍDA. Ao lado esquerdo, abaixo da palavra ENTRADA, dois retângulos com os textos CONTEÚDO INSTRUCIONAL, e CARACTERÍSTICAS DO JOGO. À direita dos retângulos há duas setas que apontam para um círculo. Dentro do círculo, os textos JULGAMENTO DO USUÁRIO, COMPORTAMENTO DO USUÁRIO, FEEDBACK DO SISTEMA. Entre estes textos, setas circulares no sentido horário. Ao lado direito do círculo, a palavra AVALIAÇÃO. Embaixo, uma seta que aponta para um retângulo. No retângulo, o texto RESULTADO DE APRENDIZAGEM. Fonte: Adaptado de Garris, Ahlers e Driskell (2002, p. 445).

Kiili (2005, p. 18) propõe um modelo, intitulado “Experimental gaming model” (modelo de jogo experimental), para vincular a jogabilidade com aprendizagem experimental e facilitar a experiência de fluxo. Nesse modelo, a aprendizagem é um processo cíclico, por meio da experiência no jogo – trata-se de um ciclo de experiência e um banco de desafios. Os desafios baseados nos objetivos educacionais são o centro do sistema, que é responsável por manter a motivação e o engajamento, por meio do fornecimento de desafios. Tais desafios demandam soluções, por parte dos estudantes, em etapas de criatividade, geração de ideias.

Ao testar as soluções, há os resultados das ações. Nesse sentido, o jogo fornece feedback ao jogador que, em observação e reflexão, irá estruturar novas e melhores soluções aos desafios, que se adequarão ao nível do jogador, que expandiu seu conhecimento. Para iniciar um novo ciclo, o sistema fornece desafios adequados ao seu nível de habilidades e mantém a experiência de fluxo (KIILI, 2005, p. 19).

Esquema 2.6 – Experimental gaming model.
No topo, ao centro, o texto: OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM. Embaixo, no centro, em um círculo com uma seta grossa na base. No círculo, as palavras DESAFIOS (PROBLEMAS). Na seta, a palavra FLUXO. Ao lado esquerdo do círculo central, no topo, há um retângulo com o texto: CRIATIVIDADE PRIMÁRIA. No topo do retângulo há uma seta para o círculo central. Ao lado esquerdo do círculo central há uma seta que aponta para este retângulo. Ao lado direito do círculo central, há uma seta que aponta para um retângulo. No retângulo, o texto: GERAÇÃO DE IDEIA. Acima do retângulo, uma seta que aponta para o círculo central.  Mais abaixo, ao lado esquerdo do círculo central, há o texto: DOMÍNIO DO JOGO, DESENVOLVIMENTO DE HABILIDADES.  Abaixo, um retângulo com o texto: CONSTRUÇÃO DE ESQUEMAS. No topo do retângulo há uma seta para o círculo central.  Ao lado direito do círculo central, há o texto: METAS BEM DEFINIDAS. Abaixo, uma seta que aponta para um retângulo. Neste retângulo, o texto: EXPERIMENTAÇÃO ATIVA. Abaixo deste, a palavra FEEDBACK e uma seta que aponta para um retângulo na base do esquema, ao meio. No retângulo, o texto: OBSERVAÇÃO REFLEXIVA. À esquerda do retângulo, o texto: ATENÇÃO FOCADA E USABILIDADE e uma seta que aponta para um retângulo. No retângulo, o texto: CONSTRUÇÃO DE ESQUEMAS. Fonte: Adaptado de Kiili (2005, p. 18, tradução nossa).

Nadolski et al. (2008, p. 2) apresenta a metodologia para o desenvolvimento de serious games para a educação, com base no modelo ADDIE20, intitulada EMERGO. Trata-se de um método de processo unificado, que ocorre por iterações e possui as seguintes fases: análise, design, desenvolvimento, implementação e avaliação.

  1. Análise: etapa de definição dos requisitos do projeto do jogo, do público, da abordagem e contextualização institucional, do curso e conteúdo.
  2. Design: fase de descrição do cenário para a decisão e ordenação das atividades, ferramentas e recursos.
  3. Desenvolvimento: fase de produção e teste, de modo cíclico, de cada componente do projeto do jogo. 
  4. Implementação: etapa de distribuição e acesso do jogo, por parte de estudantes e professores.
  5. Avaliação: estágio para aferir se a solução cumpriu os requisitos definidos na etapa de análise. É elaborado um plano de avaliação sobre a solução, o conteúdo, o progresso e interação do estudante, além do suporte.

Westera et al. (2008, p. 425) complementam que o modelo EMERGO tem três níveis: conceitual, técnico e prático, para reduzir a complexidade do design de jogos educacionais.

Esquema 2.7 – Osmotic model.
Esquema composto por palavras, dois círculos e quatro linhas. Na primeira linha, à direita, os termos NÍVEL HEURÍSTICO. Ao lado esquerdo, os termos HIPÓTESE, DESIGN. Na segunda linha, à direita, os termos NÍVEL EMPÍRICO. Ao lado esquerdo, os termos DADOS, PROBLEMA, INTERVENÇÃO. Na terceira linha, à direita, os termos NÍVEL PRODUTIVO. Ao lado esquerdo, os termos TEORIA, ARTEFATO. Na quarta linha, à direita, os termos NÍVEL DE VALIDAÇÃO. Ao lado esquerdo, os termos PARES, MERCADO. Do lado esquerdo, setas no sentido anti-horário entre os TERMOS HIPÓTESE, DADOS, TEORIA, PROBLEMA formam um círculo. Abaixo deste, uma seta liga o círculo ao termo PARES. Do lado direito, setas no sentido horário entre os termos DESIGN, INTERVENÇÃO, ARTEFATOS, PROBLEMA formam um círculo. Abaixo deste, uma seta liga o círculo ao termo MERCADO. Fonte: Ejersbo et al. (2008, p. 150, tradução nossa).

Kapp, Blair e Mesch (2014, p. 200) enfatizam a necessidade de concentrar esforços na etapa de pré-produção e na realização de testes, e sugerem uma abordagem baseada em: objetivo de aprendizagem final; objetivos de aprendizagem capacitantes; conhecimento, habilidades e atitudes, que auxiliam os objetivos de aprendizagem capacitantes.

A partir disso, deve ser estruturado um fluxo de ordem em que as informações devem ser apresentadas para integração com a jogabilidade e a narrativa do jogo. Os autores apresentam possibilidades de elaboração de sequências que podem ser ajustadas e inseridas conforme os objetivos instrucionais, a aquisição e o aprimoramento de conhecimento, habilidade e atitude dos aprendizes.

Esquema 2.8 – Exemplo de fluxograma de organização das atividades.
Esquema composto por palavras dentro de quatro retângulos, com setas de indicação de fluxo. Da esquerda para direita, o primeiro retângulo com o texto CONHECIMENTO, HABILIDADES, ATITUDES. Ao lado direito, uma seta que aponta para o retângulo seguinte. Neste, o texto OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM CAPACITANTES. ao lado direito, uma seta que aponta para o retângulo seguinte. Neste, o texto CONHECIMENTO, HABILIDADES, ATITUDES. Ao lado direito, uma seta que aponta para o retângulo seguinte.  neste, o texto OBJETIVO DE APRENDIZAGEM FINAL. Fonte: Elaborado pela autora, com base em Kapp, Blair e Mesch (2014, p. 202).

Os autores pontuam a importância de conhecer os usuários, pois entender quem é o aprendiz é tão importante quanto o que ele irá aprender. As respostas para as questões sugeridas durante a etapa de pré-produção demandarão novas perguntas, que nortearão as decisões de design.

Quadro 2.7 – Perguntas relevantes à etapa de pré-produção, no processo de design.
Tema O que estamos ensinado? 
O que os estudantes estão fazendo certo e errado? 
Por que precisamos desse jogo? 
Como o jogo tornará isso melhor e como? 
Por quanto tempo e quantas vezes eles jogarão esse jogo? 
Audiência Qual é o nível de conhecimento dos estudantes?
Qual é o nível tecnológico dos estudantes?
Os estudantes são jogadores?
Há requisitos, dificuldades, diferença de idade, tempo de jogo ou dispositivos?
Onde jogarão o jogo?
Qual é a melhor plataforma para o jogo?
Gênero do jogo Quais mecânicas melhor representam as habilidades a serem desenvolvidas?
Que feedback ajudará o jogador para alcançar suas metas?
Quais regras podem auxiliá-lo, nesse processo?
Fonte: Elaborado pela autora, com base em Kapp, Blair e Mesch (2014, p. 200-215).

Kapp, Blair e Mesch (2014, p. 145) apresentam um processo de desenvolvimento sob o título “Serious game development process” e dividem a produção de um jogo educacional em três etapas: pré-produção, produção e distribuição. 

  • Pré-produção: 
    1. Desenvolvimento do conceito: etapa de planejamento do conceito do projeto, com o design instrucional e o design baseado em jogos digitais, que envolve a análise do público, a definição dos objetivos de aprendizagem, os resultados desejados, métodos de avaliação e o processo criativo de definição preliminar da história do jogo, seus desafios e níveis. 
    2. Planejamento de requisitos para a produção: fase em que são considerados fatores como a tecnologia, as especificações técnicas, funcionais e do sistema, o planejamento de recursos, plano de desenvolvimento, requisitos e as características do jogo, o level design, os fluxogramas de telas e as ações, os elementos de arte, de personagem e cenários, as ferramentas para o desenvolvimento, o planejamento de testes e os ciclos de avaliação e implementação.
    3. Documentação: fase de registro das informações definidas nas etapas anteriores, a fim de guiar a produção.
  • Produção: 
    1. Gerenciamento de produção: etapa de gestão de projeto, para garantir que o projeto desenvolvido de modo iterativo mantenha unidade, fluxo e comunicação entre os membros da equipe.
    2. Design: abrange o design instrucional, Aprendizagem Baseada em Jogos Digitais e o Design de Jogos, conforme definidos anteriormente, na etapa de desenvolvimento do conceito.
    3. Engenharia: responsável pela programação, pelo desenvolvimento e pela implementação do jogo.
    4. Arte: compreende a criação dos elementos sonoros e visuais, tais como personagem, cenário, interface.
    5. Controle de qualidade: realizado por meio de testes e iterações, com a incorporação de melhorias.
  • Distribuição:
    1. Gerenciamento da comunidade: supervisionar a disponibilização da versão final e sua implementação.
    2. Suporte: criação de tutoriais e suporte para o estudante e os professores. 
    3. Treinamento: disponibilização de documento e realização de treinamento com professores.

Os autores indicam meios para a construção de protótipos: wireframing, protótipos de papel, protótipos de uma página, documento de design. Além disso, indicam ferramentas autorais21 e motores de jogo22 para o desenvolvimento da solução final. Em relação à validação, é recomentada a realização de testes de jogabilidade tão logo quanto possível e com frequência, para verificar a aprendizagem e usar os resultados para melhorar o jogo durante o desenvolvimento, de modo iterativo e progressivo (KAPP, BLAIR E MESCH, 2014, p. 172).

Groff et al. (2015, p. 5) apresentam a abordagem “Balanced Design”, que agrupa o Modelo de conteúdo, o Modelo de evidência e o Modelo de tarefas. Juntos, esses elementos auxiliam a especificar conhecimentos e habilidades a serem exploradas, estruturar as tarefas para desenvolver conhecimento e habilidades, e organizar dados e evidências, de modo a facilitar a intepretação, após a realização das tarefas.

  • Modelo de conteúdo: define conhecimentos e habilidades almejadas na construção da aprendizagem por meio do jogo e engloba a construção do conteúdo e do nível dos estudantes.
  • Modelo de evidência: descreve observações e comportamentos de estudantes que evidenciam suas habilidades, para interpretar seu desempenho em cada tarefa e entender como o modelo de conteúdo deve ser atualizado, para alinhar o aprendizado.
  • Modelo de tarefa: ddescreve situações (tarefas, experimentos) que evocam ou fornecem as evidências. Envolve descrição de missões, tarefas e ações no jogo.
Esquema 2.9 – Modelo Balanced Design.
Esquema composto por palavras, triângulos e setas dentro de um triângulo maior, invertido. No canto superior esquerdo, dentro do triângulo, há o título MODELO DE CONTEÚDO. Abaixo deste, a pergunta: QUE CONHECIMENTOS E HABILIDADES DEVEM SER ALCANÇADOS? Ao lado direito, dentro do triângulo, o título MODELO DE EVIDÊNCIA. Abaixo deste, a pergunta: COMO SABER QUANDO ALGUÉM DOMINOU O CONTEÚDO?  Na parte inferior do triângulo invertido há o título MODELO DE TAREFAS. Abaixo deste, a pergunta: QUE TAREFAS MOTIVARAM E QUAIS EVIDÊNCIAS SÃO NECESSÁRIAS? Entre as perguntas há setas com pontas dos dois lados. No centro do triângulo há o texto DESIGN BALANCEADO PARA APRENDIZAGEM. Groff et al. (2015, p. 7, tradução nossa)

Com base na revisão de literatura, ao cotejar as etapas dos métodos e a nomenclatura das etapas, percebeu-se a existência das seguintes fases:

  • Pré-produção:
    1. Compreensão: etapa de levantamento de dados sobre o contexto, os usuários, a tecnologia, os recursos e requisitos do projeto, verificada sob os termos: nível heurístico, ideação, pré-produção, planejamento de requisitos e documentação.
    2. Estruturação: etapa para a definição dos objetivos de aprendizagem, concepção e design da solução baseada em jogos digitais, identificada sob o uso dos termos: definição do conceito instrucional, definição do conceito do jogo, definição dos objetivos de aprendizagem, design, nível heurístico, concepção, pré-produção, desenvolvimento do conceito, gerenciamento de produção, estruturação do modelo de conteúdo, modelo de tarefa e modelo de evidência.
  • Produção:
    1. Produção: passo em que ocorre a prototipagem e o desenvolvimento dos componentes da solução para a aprendizagem baseada em jogos digitais, aferido pelos vocábulos: desenvolvimento, nível produtivo, prototipagem, atualização, produção e realização das tarefas.
  • Pós-produção:
    1. Distribuição: estágio em que a solução baseada em jogos digitais é disponibilizada para professores e estudantes, constatado ante os termos: implementação, nível empírico, distribuição, gerenciamento da comunidade e modelo de tarefa.
    2. Aplicação: etapa em que a proposta baseada em jogos digitais é utilizada pelos estudantes, relatada como: implementação, nível de validação, gerenciamento da comunidade, suporte, treinamento e modelo de tarefa.
    3. Avaliação: fase que envolve a verificação dos resultados da aplicação da abordagem da aprendizagem baseada em jogos digitais, observada como: avaliação, resultados de aprendizagem, nível de validação, controle de qualidade e modelo de evidência.

Percebeu-se que algumas abordagens não possuem foco na discussão da produção do jogo em si, mas no modelo para integração com a educação, ou ainda, no modelo conceitual, privilegiando as primeiras etapas do ciclo. Ademais, detectou-se que a macro etapa de pós-produção contém mais fases que as demais, enquanto a de produção conta com menos.

Notou-se que algumas abordagens concentram-se na etapa de estruturação e carecem de previsão do restante do ciclo projetual, sobretudo das etapas de produção, distribuição e aplicação. Isso demonstra uma lacuna projetual que pode significar pouca comunicação e laços enfraquecidos entre educadores e designers. Além disso, foi constatado que alguns métodos não preveem etapa de compreensão, que visa entender o usuário, seu contexto tecnológico e pedagógico. Essa apuração indica que há um risco projetual em produzir uma solução que pode não ser adequada e reforça a hipótese de que o estudante tem participação limitada no processo de design.

A seguir, encontra-se um quadro com a comparação entre as terminologias verificadas nos métodos.

Quadro 2.8a – Comparação das etapas e nomenclaturas de abordagens projetuais para a criação de aprendizagem baseada em jogos digitais.
PRÉ-PRODUÇÃO PRODUÇÃO
Compreensão Estruturação Produção
Input-Output-Process
(Garris; Ahlers; Driskell, 2002)
não prevê definição do conceito instrucional, definição do conceito do jogo não prevê
Experimental Gaming Model
(Kiili, 2005)
não prevê definição dos objetivos de aprendizagem não prevê
EMERGO
(Nadolski et al., 2008)
análise design desenvolvimento
Osmotic Model
(Ejersbo et al., 2008)
nível heurístico nível heurístico nível produtivo
Aprendizagem Baseada em Jogos Digitais
(Prensky, 2012)
ideação concepção prototipagem, atualização
Serious Game Development Process
(Kapp; Blair; Mesch, 2014)
pré-produção, planejamento de requisitos, documentação pré-produção, desenvolvimento do conceito, gerenciamento de produção, design produção
Balanced Design
(Groff et al., 2015)
não prevê estruturação do modelo de conteúdo, modelo de tarefa e modelo de evidência realização das tarefas
Fonte: Elaborado pela autora.
Quadro 2.8b – Comparação das etapas e nomenclaturas de abordagens projetuais para a criação de aprendizagem baseada em jogos digitais.
PÓS-PRODUÇÃO
Distribuição Aplicação Avaliação
Input-Output-Process
(Garris; Ahlers; Driskell, 2002)
não prevê não prevê avaliação, resultados de aprendizagem
Experimental Gaming Model
(Kiili, 2005)
não prevê não prevê não prevê
EMERGO
(Nadolski et al., 2008)
implementação implementação avaliação
Osmotic Model
(Ejersbo et al., 2008)
nível empírico nível de validação nível de validação
Aprendizagem Baseada em Jogos Digitais
(Prensky, 2012)
distribuição não prevê não prevê
Serious Game Development Process
(Kapp; Blair; Mesch, 2014)
distribuição, gerenciamento da comunidade gerenciamento da comunidade, suporte, treinamento controle de qualidade
Balanced Design
(Groff et al., 2015)
modelo de tarefa modelo de tarefa modelo de evidência
Fonte: Elaborado pela autora.

2.3 Gamificação na Educação

McGonigal (2012, p. 134) afirma que alguns estudiosos, como Marc Prensky, defendem a inserção do entretenimento na educação de modo mais radical – a escola ideal não usa jogos – a escola ideal é um jogo, do começo ao fim. Sob essa perspectiva, cada curso, atividade e avaliação é projetado com base em estratégias mecânicas e participativas dos jogos. Lemes e Sanches (2016, p. 1238) citam alguns exemplos, como a escola pública nova-iorquina Quest to Learn23 e o Institute of Play24 – instituições que oferecem modelos de aprendizagem e engajamento baseados em jogos.

Dentre os estudos mais citados na literatura internacional acerca da definição de gamificação, se encontra o de Deterding et al. (2011). Os autores explicam que o termo teve origem na indústria de mídia digital, durante 2008, e foi adotado amplamente a partir de 2010, coexistindo com termos, tais como “jogos de produtividade”, “jogos aplicados”, “jogos comportamentais”, “design jogável”, “design lúdico”, “jogos pervasivos”, “ludificação”. Para os autores, o termo “gamificação” demarca um grupo de fenômenos não identificados anteriormente, ao considerar a complexidade de interação e design jogável, que se difere das concepções de interação e design lúdico. A definição dos autores descreve a gamificação como “o uso de elementos de design de jogos em contextos que não são jogos” (DETERDING et al., 2011, p. 11).

Os autores reconhecem, entretanto, que elementos separados não são identificados como sendo próprios unicamente dos jogos e, por essa razão, uma interpretação de que apenas elementos únicos ou específicos dos jogos devem ser usados para gamificar, restringiria em muito a abordagem. Logo, os autores sugerem que os elementos de design de jogos sejam característicos e importantes para a experiência de jogo.

Sob esse ponto de vista, a gamificação está relacionada aos jogos e não ao brincar. Todavia, os autores admitem que as recorrentes críticas da academia e da indústria enfatizam que o foco nos elementos de design para regras e atividade lúdica orientada a uma meta (ludus) acabam por deixar pouco espaço para abertura, exploração e atividade livre (paidia)25.

Esquema 2.10 – Gamificação entre jogar, brincar, o todo e as partes.
Esquema composto por palavras, círculos e setas. No centro há duas linhas que se cruzam perpendicularmente, formando quadrantes. Em cada ponta das linhas cruzadas, uma seta e um termo. Na seta do topo, o termo JOGAR. na base, o termo BRINCAR. Na seta da esquerda, o termo TODO. À direita, o termo PARTES. No primeiro quadrante, à esquerda, em um círculo branco, os termos JOGOS SÉRIOS. No segundo quadrante, à direita, em um círculo cinza, o termo GAMIFICAÇÃO. No terceiro quadrante, à esquerda, em um círculo branco, o termo BRINQUEDOS. No quarto quadrante, à direita, em um círculo branco, os termos DESIGN LÚDICO. Fonte: Deterding et al. (2011, p. 13, tradução nossa).

Por conseguinte, para os autores, a gamificação se refere ao uso, em vez da extensão de; ao design, em vez de tecnologia baseada em jogos ou outras práticas relacionadas ao jogo; a elementos, em vez de ao jogo por inteiro; elementos esses característicos de jogos, em vez de brincadeira; a contextos que não são jogos, independente da intenção de uso ou mídia (DETERDING et al., 2011, p. 13).

Na literatura nacional, destaca-se a definição de Busarello (2016, p. 18), que explica a gamificação como um sistema (um conjunto articulado de elementos) para a resolução de problemas (de modo sistematizado) por meio do aumento e manutenção da motivação intrínseca (exclusiva e interna ao indivíduo), que utiliza cenários lúdicos (onde o indivíduo interage com o ambiente ou objeto gamificado) para simulação e exploração de fenômenos, apoiados em elementos de jogos. 

Segundo o autor, enquanto nos jogos sérios26 a experiência ocorre por meio de mecânicas e do modo de se pensar como em jogos para apresentar um conteúdo específico, na gamificação, a utilização dos elementos de jogos visa estimular os objetivos intrínsecos do indivíduo para resolver problemas e encorajar aprendizagem (BUSARELLO, 2016, p. 30).

Ainda no contexto da aprendizagem, Landers (2014, p. 6) define a gamificação como o uso de elementos de jogo, incluindo linguagem ativa, avaliação, desafio, controle, ambientação, ficção, interação humana, imersão, regras e metas, para facilitar a aprendizagem e seus resultados. A partir dessa definição, o autor propõe a diferenciação entre a gamificação e os jogos sérios, pelo modo como esses geram aprendizado. Enquanto o jogo assume o papel de instrutor e fornece conteúdo diretamente aos estudantes, a gamificação, de modo geral, não busca influenciar a aprendizagem diretamente. O objetivo da gamificação é melhorar uma instrução pré-existente por meio da alteração do comportamento e da atitude do estudante. 

O autor manifesta que, embora os jogos também possam afetar a motivação dos estudantes, geralmente não é seu propósito fazê-lo, sem também fornecer conteúdo. Desse modo, “é possível alegar que se aprendeu algo de um jogo, mas, em geral, não seria válido afirmar que se aprendeu de uma gamificação” (LANDERS, 2014, p. 8). Portanto, segundo essa concepção, embora os jogos sérios e a gamificação compartilhem elementos de jogos, o processo por meio do qual esses elementos afetam o aprendizado é diferente.

Mattar (2014, p. 47) afirma que a gamificação não se confunde com o uso de games em educação – é possível gamificar, sem usar games; e usar games em educação, sem gamificar. Segundo o autor, a gamificação se faz possível por meio da inserção de elementos de jogos, tais como diversão, interação, conflito, colaboração, competição, recompensas, feedback rápido e constante aos alunos, personalização da aprendizagem e histórias. O autor arrazoa que a gamificação tem sido muitas vezes usada de modo indevido e parco, associado somente à motivação extrínseca para tentar motivar os estudantes, e acaba por reforçar uma concepção de ensino-aprendizagem com base em estímulo e resposta.

Zichermann e Cunningham (2011, p. XIV) afirmam que a gamificação pode significar coisas diversas: fazer jogos com a finalidade de promover produtos e serviços; criar mundos virtuais para induzir mudanças de comportamento; ou fornecer um meio de treinar pessoas em sistemas complexos – a gamificação reúne todas essas acepções e possibilidades de jogos em contextos que não são jogos. 

Desse modo, os autores unem conceitos como jogos sérios, advergames27 e games for change28 e definem gamificação como “o processo de pensamento e mecânicas de jogo para engajar usuários e resolver problemas”, aplicável a qualquer problema que possa ser resolvido por meio da influência do comportamento e da motivação das pessoas.

Kapp (2012, p. 15) critica definições que têm por base a mera adição de elementos de jogos a atividades, uma vez que essas usualmente se apresentam como abordagens superficiais, que não geram aprendizado, engajamento ou melhorias produtivas. 

O autor define a gamificação como “a aplicação ponderada e cuidadosa do pensamento de jogo para resolver problemas e estimular aprendizagem usando todos os elementos de jogos apropriados para tal”. Pelo viés desta definição, o objetivo da gamificação é adicionar elementos baseados em jogos (história, desafio, feedback, recompensas) a conteúdos que geralmente são apresentados como leitura ou curso on-line para criar uma oportunidade de aprendizagem, seja na forma de um jogo completo, na forma de elementos de jogo em tarefas e exercícios, ou na forma de uma experiência em que os estudantes participam de um desafio baseado em narrativa.

A definição do autor não exclui os jogos sérios do âmbito da gamificação – o objetivo de ambos é o mesmo – resolver problemas, motivar pessoas e promover aprendizagem, por meio do uso de pensamento e técnicas baseadas em jogos. Desse modo, projetar um jogo com base em conteúdo é de fato a gamificação do conteúdo e envolve as mesmas técnicas e abordagens necessárias. O uso de jogos sérios é considerado uma forma de gamificação, pois esses são um subconjunto do metaconceito de gamificação, que engloba a ideia de adicionar elementos, mecânica e pensamento de jogo a conteúdos de aprendizagem (KAPP, 2012, p. 18).

Em âmbito educacional, Kapp, Blair e Mesch (2014, p. 20) afirmam que a gamificação deve ser usada para criar interação e aprendizagem; encorajar e motivar a execução de tarefas desafiadoras; atingir metas e progredir; criar oportunidade para reflexão; e mudar o comportamento, de modo positivo.

De acordo com os autores, há dois tipos de gamificação: estrutural e de conteúdo (KAPP; BLAIR; MESCH, 2014, p. 224). A gamificação estrutural é a aplicação de elementos de jogos à estrutura em volta de um conteúdo, sem que este se torne parecido com um jogo, com a finalidade de propelir estudantes ao conteúdo e motivá-los durante o processo de aprendizagem. Para tanto, é preciso determinar metas claras e recompensas ao atingi-las, um sistema de progressão e status, desafio e feedback. Os elementos que podem ser usados, segundo os autores, envolvem recompensas, quadros de liderança, moeda e sistema de troca, distintivos, subir de nível e compartilhamento social.

Por fim, a gamificação de conteúdo é a aplicação de elementos, mecânicas e pensamento de jogo para alterar o conteúdo e deixá-lo mais parecido com um jogo. Tal concepção não implica, necessariamente, em desenvolver um jogo por inteiro. Os elementos que podem ser incorporados são história e narrativa; desafio; curiosidade e exploração; personagens; interatividade, feedback e liberdade para fracassar (KAPP; BLAIR; MESCH, 2014, p. 237).

2.3.1 Abordagens para a gamificação na Educação

A seguir, serão apresentados modelos para a aplicação da gamificação em contextos educacionais, com a finalidade de compreender suas etapas e compará-las, de modo a evidenciar as possibilidades para a atuação do designer durante este processo projetual.

Kapp, Blair e Mesch (2014, p. 222) distinguem dois tipos de motivação pertinentes a serem considerados ao projetar um sistema gamificado: extrínseca e intrínseca. A motivação extrínseca é usada para aumentar a satisfação e o tempo para executar uma tarefa; fortalecer a percepção de liberdade de ação; para manter a atenção focada em curtos períodos de tempo; e motivar o estudante, quando a atividade não desperta interesse inerente ou a percebe como sendo de baixo valor.

A motivação intrínseca, por sua vez, tem base na autodeterminação e autonomia, competência e relação, que podem ser usadas no design para dar ao estudante o senso de escolha e controle; aumentar sua confiança ao ser desafiado e cumprir a meta; fornecer um caminho para o domínio de habilidade ou conteúdo; recompensar as melhorias de aprendizagem graduais e finais; auxiliar o estudante a se sentir conectado aos demais, por meio de quadros de liderança, desafios de pares e outros métodos de interação social.

Busarello (2016, p. 94) explica que é necessário explorar relações entre elementos de mecânicas (elementos que permitem o funcionamento do jogo e orientam o jogador), dinâmicas (interações entre o jogador e a mecânica) e estéticas (emoções evocadas pelo jogador durante a interação com o jogo, resultantes da mecânica e da dinâmica) para manter a motivação do indivíduo.

Uma das abordagens recorrentes na literatura é o “modelo MDA” (mecânica, dinâmica, estética, do inglês mechanics, dynamics, aesthetics). Zichermann e Cunningham (2011, p. 35) explicam que esse modelo é usado para engendrar a inter-relação entre os elementos de um jogo e aplicá-los fora de um jogo. Kim e Lee (2015, p. 8486) citam exemplos de elementos de mecânica, dinâmica e estética, conforme quadro a seguir.

Quadro 2.9 – Elementos de mecânica, dinâmica e estética.
Mecânica Níveis, pontos, quadro de liderança, metas, missões, distintivos, cativar novatos, itens virtuais, feedback.
Dinâmica Sistema dinâmico, ritmo, recompensas programadas, sistema baseado em padrões de tempo, progresso, compromisso.
Estética Amor, beleza, deleite, honra, satisfação, excitação, surpresa, conexão, inveja, diversão.
Fonte: Elaborado pela autora, com base em Kim e Lee (2015, p. 8486-8488).

Kim e Lee (2015, p. 8489) discorrem sobre o “Dynamical model for gamification of learning” (modelo dinâmico para gamificação da aprendizagem), voltado ao desenvolvimento de gamificação de conteúdo e gamificação estrutural, com base em quatro fatores primários baseados em jogos: desafio, fantasia, controle e curiosidade, para tornar o processo educacional mais dinâmico. Cada fator se relaciona com elementos de mecânica, dinâmica ou estética.

Esquema 2.11 – Fatores do Dynamical model for gamification of learning.
Esquema composto por palavras, linhas, retângulos, e círculos que se interseccionam. Junto ao círculo da esquerda, o termo MEC NICAS. Junto ao da direita, o termo DIN MICAS. Junto ao círculo da base, o termo ESTÉTICAS. Há três retângulos circunscritos ao círculo da esquerda. Ao topo, o retângulo com os termos DESAFIO, RELEV NCIA. Este retângulo está interligado por linhas aos termos CATIVAR NOVATOS, NÍVEIS, PONTOS, QUADRO DE LIDERANÇA, METAS, MISSÕES. Abaixo, o retângulo com os termos CONTROLE, CONFIANÇA. Abaixo, à esquerda, o retângulo com os termos FANTASIA, SATISFAÇÃO. Este retângulo está interligado por linhas aos termos DISTINTIVOS, ITENS VIRTUAIS, FEEDBACK. No círculo à direita, há três retângulos circunscritos. Ao topo, o retângulo com os termos DESAFIO, RELEV NCIA. Este retângulo está interligado por linhas aos termos SISTEMA DIN MICO, RITMO, RECOMPENSAS, PADRÕES E SISTEMA BASEADOS EM TEMPO. Abaixo, o retângulo com os termos CONTROLE, CONFIANÇA. À direita, abaixo, o retângulo com os termos CURIOSIDADE, ATENÇÃO. Este retângulo está interligado por linhas aos termos RECOMPENSAS, PADRÕES E SISTEMA BASEADOS EM TEMPO, PROGRESSO, COMPROMISSO. No centro, abaixo, há um terceiro círculo. Circunscritos ao círculo, há três retângulos. Ao topo, o retângulo com os termos CONTROLE, CONFIANÇA. Abaixo, à esquerda, o retângulo com os termos FANTASIA SATISFAÇÃO. Este retângulo está interligado por linhas aos termos AMOR, BELEZA, DELEITE, HONRA, EXCITAÇÃO, SURPRESA. À direita, o retângulo com os termos CURIOSIDADE, ATENÇÃO. Este retângulo está interligado por linhas aos termos EXCITAÇÃO, SURPRESA, CONEXÃO, DIVERSÃO, INVEJA. O círculo da esquerda e da direita se interseccionam nos retângulos dos termos DESAFIO, RELEV NCIA e CONTROLE, CONFIANÇA. O círculo da esquerda e da parte inferior se interseccionam nos retângulos dos termos CONTROLE, CONFIANÇA e FANTASIA, SATISFAÇÃO. O círculo da direita e o da parte inferior sem interseccionam nos retângulos dos termos CONTROLE, CONFIANÇA e CURIOSIDADE, ATENÇÃO. Fonte: Adaptado de Kim e Lee (2015, p. 8488).

Os autores propõem a seguinte relação entre os quatro fatores, a partir de equações: o controle é a eficácia e o centro da gamificação, na qual a curiosidade (que carrega elementos de dinâmica e estética) precisa ser maior que o desafio (que apresenta relação mecânica e dinâmica). Entretanto, com o tempo, a motivação tende a reduzir e a proporção entre desafio e fantasia (elementos de estética e mecânica) deve ser mantida para garantir a eficiência do sistema.

Os autores apresentam um modelo de referência para aplicação de gamificação estrutural, que consiste nas etapas: caracterização do contexto; identificação dos objetivos; seleção dos elementos de jogos; análise de dados; inserir conteúdo nas atividades.

  • Caracterização do contexto não lúdico: envolve identificar características do contexto, identificar as atividades, definir os comportamentos a serem atingidos, identificar o perfil dos jogadores.  
  • Identificação dos objetivos: definir objetivos de acordo com os comportamentos desejados e quantificá-los.
  • Seleção dos elementos de jogos: definir componentes das categorias feedback e recompensa, interação social e experiência de jogo.
  • Análise de dados: coletar e analisar os dados de acordo com os objetivos; definir e compartilhar resultados.
  • Inserir conteúdos para a atividade: definir e inserir conteúdos a partir da coleta e análise dos dados, resultados e caracterização do contexto.

Simões et al. (2013, p. 1222) pontuam elementos de jogos do sistema gamificado: “feedback e recompensa”, “interação social” e “experiência de jogo”. O feedback se dá ao fornecer resposta sobre as ações, que se materializa por meio de recompensas. “Interação social” ocorre por colaboração e compartilhamento, enquanto a diversão deve estar presente para estimular engajamento do usuário ao sistema. A componente “experiência de jogo” tem a função de manter o jogador engajado, ao longo de sua evolução e seu percurso, ao passo que a economia estabelece regras para a transação dos bens virtuais e as recompensas progressivas definem a periodicidade e os critérios para aquisição.

Quadro 2.10 – Elementos de jogos.
Componentes Fundamentais Elementos de Jogos
Fluxo e Diversão Feedback e recompensa Pontos, tabelas de liderança, barras de progresso, insígnias, troféus.
Interação social Partilhar troféus, convidar amigos, dar/solicitar/trocar bens virtuais.
Experiência de jogo Níveis, objetivos intermediários, objetivos claros, repetir após falhar é divertido, regras, economia virtual, recompensas progressivas.
Fonte: Simões et al. (2013, p. 1125).
Esquema 2.12 – Ciclo do sistema de gamificação para educação.
Esquema composto por palavras retângulos, linhas, setas e círculo. Ao topo, no centro, os termos CONTEXTO NÃO LÚDICO. Abaixo dois retângulos interligados. No retângulo da esquerda, o termo JOGADORES. No retângulo da direita, o termo COMPORTAMENTOS. Abaixo destes retângulos, interligado por linhas, um retângulo com o termo ATIVIDADES. Deste, duas linhas do lado direito interligam dois retângulos. Um retângulo com os termos ELEMENTOS DOS JOGOS, e outro abaixo deste, com o termo CONTEÚDOS. Embaixo do retângulo com o termo ATIVIDADES há uma seta que aponta para o retângulo com os termos MONITORAR ATIVIDADE. Deste, uma seta para o lado inferior direito aponta para um retângulo com os termos COLETA DE DADOS. Deste, uma seta para o lado inferior esquerdo aponta para um retângulo com os termos ANÁLISE DE DADOS. Deste, uma seta para o lado esquerdo aponta para um retângulo com os termos AVALIAR RESULTADOS. Este está interligado ao círculo que está no centro, entre os retângulos e as setas. No círculo, o termo OBJETIVO. Uma seta para o lado superior esquerdo do retângulo com os termos AVALIAR RESULTADOS aponta para o retângulo com os termos COMUNICAR RESULTADOS. Deste, uma seta  para o lado superior direito aponta para o retângulo com os termos MONITORAR ATIVIDADE. Do retângulo com os termos COMUNICAR RESULTADOS há duas linhas que interligam dois retângulos. Um retângulo com o termo COMPARTILHAR, e acima deste, um retângulo com o termo FEEDBACK. No topo deste há uma seta que aponta para o retângulo acima, com os termos ELEMENTOS DE JOGOS. Acima deste, há uma seta que aponta para o retângulo do topo do esquema, com o termo JOGADORES. Fonte: Simões et al. (2013, p. 1125).

Simões, Redondo e Vilas (2013, p. 5) discorrem sobre o “Model for social Gamification” (modelo para gamificação social). O modelo para gamificação estrutural de ambientes virtuais de aprendizagem tem como objetivo criar desafios adequados ao nível do estudante; estabelecer metas simples e caminhos diversos para atingir os objetivos; escolher mecânicas de jogo apropriadas para as atividades; considerar a falha como parte do processo, sem penalizar o estudante; permitir que este assuma outras identidades e papéis; permitir ao estudante acompanhar seu progresso; e usar competição para estimular comportamentos positivos. Os autores inter-relacionam mecânicas e dinâmicas, conforme quadro a seguir.

Quadro 2.11 – Mecânicas e dinâmicas de jogos.
Mecânicas de jogos Dinâmicas de jogos
Pontos Recompensa
Níveis Status
Troféus, insígnias, medalhas Realização
Bens virtuais Expressão pessoal
Quadros de liderança Competição
Doação de itens virtuais Altruísmo
Fonte: Simões, Redondo e Vilas (2013, p. 4, tradução nossa).

O modelo para a gamificação social envolve a definição de comportamentos desejados do estudante. Após essa etapa, são definidos e implementados os elementos de jogos que promovem esses comportamentos. A implementação ocorre por meio de ferramentas de gamificação, diretamente aplicadas ao ambiente social e virtual de aprendizagem e ao conteúdo. Por meio da gamificação, os comportamentos desejados melhoram os resultados de aprendizagem.

Esquema 2.13 – Model for social gamification.
Esquema composto por palavras, retângulos e setas. No topo, à direita, um retângulo com os termos JOGOS SOCIAIS. Abaixo deste, uma seta aponta para um retângulo com os termos ELEMENTOS DE JOGOS. Deste, uma seta para o retângulo à direita. Acima da seta, o termo PROMOVEM. No retângulo, os termos COMPORTAMENTOS ALMEJADOS. Abaixo deste, uma seta para baixo e para a esquerda aponta para um retângulo na base esquerda do esquema. Sobre a seta, o termo MELHORAM. No retângulo, os termos RESULTADOS DE APRENDIZAGEM. Ao lado esquerdo do retângulo como os termos ELEMENTOS DE JOGOS, uma seta aponta para outro retângulo à esquerda. Sobre esta, os termos IMPLEMENTADO POR. No retângulo, os termos FERRAMENTA DE GAMIFICAÇÃO. Deste, uma seta para cima e para esquerda aponta para um retângulo. Em cima da seta, os termos APLICADA A. No retângulo, os termos AMBIENTE SOCIAL DE APRENDIZAGEM. Ao lado esquerdo do retângulo com os termos FERRAMENTA DE GAMIFICAÇÃO, uma seta aponta para um retângulo. Sobre a seta, os termos APLICADA A. No retângulo, os termos CONTEÚDOS DE APRENDIZAGEM. Abaixo deste, uma seta aponta para um retângulo com os termos RESULTADOS DE APRENDIZAGEM. Fonte: Simões, Redondo e Vilas (2013, p. 5, tradução nossa).

Para Landers (2014, p. 9), a aprendizagem ocorre por meio de dois processos, na gamificação estrutural: um mais direto, de mediação; e um menos direto, de moderação. Para o autor, a influência das características de jogos ou do conteúdo no comportamento e nos resultados se configura como processo de mediação. Esse processo segue o fluxo de etapas de definição de um comportamento para melhorar o resultado de aprendizagem, por meio do uso de elemento de jogo como, por exemplo, narrativa, para prolongar o período de tempo que o estudante aloca para se dedicar ao material.

Em contrapartida, a influência do comportamento e da atitude sobre o conteúdo e seus resultados de aprendizagem é um processo de moderação. Isso ocorre quando, por meio de um elemento de jogo, a motivação do estudante aumenta. Segundo o autor, ambos os processos presumem que essas mudanças causam melhoria na aprendizagem, partindo do pressuposto de que o material é bem projetado e o conteúdo, interessante.

Esquema 2.14 – Teoria da aprendizagem gamificada. As sequências (D, C, B) e (A, C, B) correspondem ao processo de mediação, enquanto a influência de C em (A, B) é um processo de moderação.
Esquema composto por palavras, retângulos e setas. No topo, à esquerda, um retângulo com o texto: CARACTERÍSTICAS DE JOGO (D). À direita deste, uma seta que aponta para o retângulo com o termo COMPORTAMENTO (C). Abaixo do retângulo com o texto: CARACTERÍSTICAS DE JOGO (D), um retângulo com o texto:  CONTEÚDO INSTRUCIONAL (A). Ao lado direito deste retângulo, duas setas. Uma seta aponta para cima, à direita, e indica o retângulo com a palavra COMPORTAMENTO (C). A outra seta aponta para a direita, para um retângulo com o texto: RESULTADOS DE APRENDIZAGEM (B).  À direita do retângulo com a palavra COMPORTAMENTOS (C), uma seta que aponta para a direita e para baixo e indica o retângulo com o texto: RESULTADOS DE APRENDIZAGEM (B). Fonte: Landers (2014, p. 9, tradução nossa).

Klock, Cunha e Gasparini (2015, p. 5) propõem o “modelo conceitual para gamificação de ambientes virtuais de aprendizagem”, que consiste em definir quatro dimensões para a gamificação estrutural: “por quê?”, “quem?”, “o que?” e “como?”, a fim de responder questões para aplicar a gamificação em ambientes virtuais de aprendizagem.

  • Por quê?: refere-se aos comportamentos a serem estimulados nos alunos nesses ambientes, que podem ser de natureza teórica (acessar aulas e materiais); prática (fazer exercícios e tarefas; aumentar o desempenho nas tarefas); social (participar ativamente do fórum; utilizar o bate-papo e o mural); e relacionada ao sistema (aumentar a frequência de acesso e o tempo de uso no ambiente).
  • Quem?: diz respeito aos usuários do sistema, que prioriza dois atores: professores e estudantes.
  • O que?: busca definir quais dados do sistema serão gamificados.
  • Como?: determina que elementos de jogos serão utilizados para incentivar os comportamentos desejados, a partir do levantamento de quem irá interagir com o sistema gamificado.
Esquema 2.15 – Dimensões do modelo conceitual para gamificar ambientes virtuais de aprendizagem.
Esquema composto por palavras, retângulos e elipse. No canto superior esquerdo, um retângulo com o texto: O QUE? (DADOS). À direita deste, um retângulo com o texto: QUEM? (ATORES). No canto inferior esquerdo, um retângulo com o texto: COMO? (ELEMENTOS). À direita deste, um retângulo com o texto: POR QUE? (COMPORTAMENTOS). Ao centro, sobre os cantos dos quatro retângulos, na cor preta, uma elipse. Nesta, na cor branca, em letras mais grossas, a palavra GAMIFICAÇÃO. Fonte: Klock, Cunha e Gasparini (2015, p. 6).

Para compreender o perfil dos usuários e adotar estratégias condizentes com esses, os autores propõem a utilização da taxonomia de Richard Bartle (BARTLE, 1996, n. p.), que divide os jogadores em quatro categorias: conquistadores (jogadores que almejam e alcançam objetivos no jogo), socializadores (aqueles que gostam de conversar e interagir), exploradores (aqueles que gostam de conhecer o ambiente e fazer novas descobertas) e os matadores (jogadores que gostam de se impor aos demais).

Nesse sentido, como parte da estratégia da etapa “Quem?”, Klock, Cunha e Gasparini (2015, p. 3) propõem a identificação do perfil dos usuários, por meio de questionários, e a aplicação dos seguintes elementos, que podem ser balanceados, caso exista mais de um perfil predominante ou perfil misto:

  • Conquistadores: pontos, níveis e medalhas.
  • Socializadores: ferramentas de comunicação, fórum e bate-papo.
  • Exploradores: desafios ocultos.
  • Matadores: ranking, quadro de liderança.

Urha et al. (2015, p. 393) apresentam a abordagem “model for introduction of gamification into e-learning”, que compreende as etapas de análise, planejamento, desenvolvimento, implementação e avaliação para a aplicação de gamificação estrutural.

  1. Análise: envolve coleta de dados sobre questões pedagógicas, tecnológicas, de design, de administração, sobre os agentes envolvidos, os materiais, os recursos e a gamificação. 
  2. Planejamento: etapa para definir o que deve ser desenvolvido, a justificativa para tal, quando e como será desenvolvido. 
  3. Desenvolvimento: fase em que a proposta é implementada no ambiente virtual e a solução é testada.
  4. Implementação: etapa em que a solução é apresentada aos usuários e deve ser monitorada, com assistência. Após a implementação, inicia-se a adaptação, de modo rápido, a partir do feedback dos usuários.
  5. Avaliação: verificação da satisfação e motivação do estudante com o sistema, para aferir se o projeto foi bem sucedido em seus objetivos e qual foi a experiência do usuário a respeito da aprendizagem, eficiência do sistema, dos erros e da satisfação, ao usá-lo.

Em suma, o processo evolui de modo linear e, incorporados a essas etapas, estão elementos de experiência do usuário para o projeto: gerenciamento, pesquisa de usuário, avaliação de usabilidade, arquitetura da informação, design de interface, design de interação, design visual, acessibilidade e análise Web.

A respeito dos elementos da gamificação para incorporar ao processo de aprendizagem on-line, os autores listam os seguintes, relacionando-os com elementos de mecânicas e dinâmicas:

Quadro 2.12 – Elementos de gamificação na aprendizagem on-line.
Elementos de gamificação na aprendizagem on-line Mecânicas de jogos Dinâmicas de jogos
Sistema baseado em regras Pontos Recompensas
Metas claras e significativas Emblemas Status
Tarefas curtas Níveis Conquistas
Feedback imediato Desafios competição
Reforço positivo Bens virtuais Altruísmo
Recompensas por cumprir tarefas Presentes
Desafio com progresso mensurável Quadros de liderança
Narrativa
Participação voluntária
Fonte: Adaptado de Urha et al. (2015, p. 392).

Andrade, Mizoguchi e Isotani (2016, p. 7) apresentam o Modelo para Gamificação Inteligente (Framework for Intelligent Gamification), com intenção de direcionar o desenvolvimento de gamificação estrutural, baseado nas etapas: coleta, operação, avaliação e adaptação.

  1. Coleta: Coletar informações sobre o perfil de jogador, os atributos psicológicos, os atributos comportamentais, o modelo de gamificação, os padrões de interação e os padrões psicológicos;
  2. Operação: adaptar interface aos elementos fornecidos pelo estudante;
  3. Avaliação e adaptação: o sistema verifica, a partir das interações dos estudantes e dos elementos escolhidos, se há a necessidade de adaptar o processo.
Esquema 2.16 – Modelo para gamificação inteligente.
Esquema composto por palavras e retângulos. No topo, um retângulo cinza com um texto e três retângulos brancos. Ao centro do retângulo cinza, o texto: CAMADA DE GAMIFICAÇÃO. Abaixo desse, à esquerda, um retângulo com a palavra AVALIAÇÃO. Ao centro, um retângulo com a palavra CONTROLADOR. À direita deste, um retângulo com os termos GERENCIADOR COMPORTAMENTAL. Abaixo, outro retângulo cinza, com o texto: CAMADA DO TUTOR. Em seguida, quatro retângulos brancos com palavras. À esquerda, no primeiro retângulo, os termos MODELO DE ESTUDANTE. Ao lado direito deste, um retângulo com os termos MODELO DE GAMIFICAÇÃO. À direita, dois retângulos. No retângulo de cima, os termos PADRÕES PSICOLÓGICOS. No retângulo de baixo, os termos PADRÕES DE INTERAÇÃO. Fonte: Adaptado de Andrade, Mizoguchi e Isotani (2016, p. 5).

Segundo os autores, no modelo de gamificação inteligente há três camadas: a camada de gamificação, a camada do tutor e a camada de dados. A camada de dados compreende o modelo do estudante, seus padrões motivacionais, comportamentais, o conhecimento aprendido, as atitudes, os hábitos, as interações e o perfil de jogador; o modelo de gamificação, com as mecânicas e os eventos possíveis que podem ser acionados pelo sistema; os padrões de interação esperados, com a finalidade de registrar as ações em quantidade e sequência; e o padrão psicológico, que fornece informações sobre a personalidade do estudante ao desenvolver as tarefas.

A camada de gamificação compreende a interação com o estudante para cumprir as necessidades motivacionais, por meio de módulos operacionais de avaliação, que analisa as ações do estudante e adapta o sistema; o gerenciador comportamental, que avalia os dados e as interações do estudante para compará-las com o padrão de informações contidas no perfil deste estudante, nos padrões de interação e nos padrões psicológicos; e o componente controlador, responsável por estabelecer o cruzamento das informações de todo o sistema para disponibilizar a customização da gamificação (ANDRADE; MIZOGUCHI; ISOTANI; 2016, p. 5).

Com base na revisão de literatura, foi observado que os modelos, de modo geral, são voltados para a gamificação estrutural. Apenas um modelo dentre os relatados (Kim e Lee, 2015) é voltando tanto para gamificação estrutural, quanto para a gamificação de conteúdo.

Ao cotejar as etapas dos métodos e a nomenclatura das etapas, percebeu-se a existência das seguintes fases:

  • Pré-produção:
    1. Compreensão: fase para análise do contexto, do perfil do usuário, tecnologia e identificação das necessidades projetuais, relatada pelos termos: caracterização do contexto, identificação dos objetivos, análise de dados, “o que?, quem?, por quê?, como?”, análise e preparação.
    2. Estruturação: estágio que visa a concepção e determinação do projeto de gamificação, com a definição dos comportamentos a serem atingidos e dos elementos de jogo, identificado como: inserir conteúdo nas atividades, seleção dos elementos de jogos, definição de comportamentos, elementos de jogos e conteúdos de aprendizagem, definição de comportamento, características de jogos, conteúdo instrucional, “o que?, como?” definir elementos de desafio, fantasia e curiosidade, planejamento, ideação e design.
  • Produção:
    1. Produção: etapa em que o sistema de gamificação é produzido ou são implementados elementos de gamificação em sistemas já existentes, observada como: desenvolvimento, adaptação e implementação.
    2. Aplicação: fase em que o sistema gamificado é usado pelos estudantes, verificada sob o uso dos termos: implementação, monitoramento e monitorar atividade.
  • Pós-produção:
    1. Avaliação: etapa que visa verificar os resultados de aprendizagem a partir da gamificação, aferida pelos vocábulos: avaliar resultados e avaliação.

Foi detectado que alguns modelos para a gamificação possuem foco na determinação de comportamentos e metas a serem atingidas, a partir da motivação do estudante, além da definição dos elementos de jogo a serem utilizados para o engajamento. Tal concentração se dá nas etapas da fase de pré-produção, em especial, durante a etapa de estruturação.

Além disso, percebeu-se que alguns modelos não preveem as fases de produção e pós-produção – e deixam de contemplar a produção, aplicação e avaliação da gamificação desenvolvida. Ademais, a identificação de que a avaliação da proposta ocorre, de modo geral, ao final do ciclo, é problemática. Essas constatações reforçam que designer, professor e estudante atuam de modo limitado no processo de design que tenha como objetivo a gamificação, para promover aprendizagem. 

A seguir, apresenta-se o quadro comparativo entre as etapas e as terminologias encontradas nos métodos verificados.

Quadro 2.13a – Comparação das etapas e nomenclaturas de abordagens projetuais para a criação de gamificação.
PRÉ-PRODUÇÃO
Compreensão Estruturação
Modelo de referência para aplicação de gamificação
(Simões et al., 2013)
caracterização do contexto, identificação dos objetivos, análise de dados  inserir conteúdo nas atividades, seleção dos elementos de jogos
Model for social Gamification
(Simões; Redondo; Vilas, 2013)
não prevê definição de comportamentos, elementos de jogos e conteúdos de aprendizagem
Teoria da aprendizagem gamificada
(Landers, 2014)
não prevê definição de comportamento, características de jogos, conteúdo instrucional
Modelo conceitual para gamificar ambientes virtuais de aprendizagem
(Klock; Cunha; Gasparini, 2015)
o que?, quem?, por quê?, como? o que?, como?
Dynamical model for gamification of learning
(Kim; Lee, 2015)
não prevê definir elementos de desafio, fantasia e curiosidade
Model for introduction of gamification into e-learning
(Urha et al., 2015)
análise planejamento
Modelo para Gamificação Inteligente 
(Andrade; Mizoguchi; Isotani, 2016) 
coleta coleta, operação
Fonte: Elaborado pela autora.
Quadro 2.13b – Comparação das etapas e nomenclaturas de abordagens projetuais para a criação de gamificação.
PRODUÇÃO PÓS-PRODUÇÃO
Produção Aplicação Avaliação
Modelo de referência para aplicação de gamificação
(Simões et al., 2013)
não prevê monitorar atividade avaliar resultados
Model for social Gamification
(Simões; Redondo; Vilas, 2013)
implementação implementação não prevê
Teoria da aprendizagem gamificada
(Landers, 2014)
não prevê não prevê não prevê
Modelo conceitual para gamificar ambientes virtuais de aprendizagem
(Klock; Cunha; Gasparini, 2015)
não prevê não prevê não prevê
Dynamical model for gamification of learning
(Kim; Lee, 2015)
não prevê não prevê não prevê
Model for introduction of gamification into e-learning
(Urha et al., 2015)
desenvolvimento, adaptação implementação avaliação
Modelo para Gamificação Inteligente 
(Andrade; Mizoguchi; Isotani, 2016) 
operação operação avaliação e adaptação
Fonte: Elaborado pela autora.

2.4 O Designer no contexto do Design de Jogos Digitais, Jogos Educacionais e da Gamificação

Novak (2010, p. 308) afirma que, em tese, um jogo pode ser desenvolvido por uma equipe composta por apenas um ilustrador e um programador. Apesar disso, são vários os setores e as subequipes que podem existir para a produção de um jogo, dentre os quais destaca:

Produção: setor responsável pelo gerenciamento do processo e dos recursos do projeto. 

Design: equipe que se ocupa da experiência e jogabilidade, direção de criação, do design de interface e design de níveis ou fases (level design); 

Arte: voltada à criação dos elementos visuais, tais como personagens, objetos, cenários e ambientes e compreende a direção de arte, ilustração, modelagem e animação.

Programação: dedica-se à implementação dos elementos do sistema do jogo, que pode envolver a criação de um motor de jogo, código, banco de dados, programação da inteligência artificial e da física do jogo.

Áudio: setor responsável por gerar músicas, sons, efeitos sonoros, narração e dublagem.

Testes: equipe responsável por testar o jogo, com a finalidade de averiguar a isenção de erros e se a proposta promove diversão, com foco na usabilidade, lógica e funcionalidade.

Em relação ao designer, Fullerton (2014, p. XIX) afirma que criar um bom jogo é uma tarefa desafiadora, que requer abordagem lúdica e uma solução sistemática. Segundo a autora, é necessário um pouco de engenharia, entretenimento, matemática e direção social na tarefa de criar um conjunto de regras que signifique e motive o ato de jogar. Logo, a perícia do designer de jogos é criar uma combinação de desafio, competição e interação, que os jogadores chamam de “diversão”.

Para Salen e Zimmerman (2012, p. 19), o designer de jogos não é necessariamente um programador, um designer visual ou gerente de projeto, embora também possa desempenhar essas funções no processo de criação de um jogo. O designer de jogos pode trabalhar sozinho ou em uma grande equipe. O foco do designer de jogos é projetar a jogabilidade, concebendo e elaborando regras e estruturas que resultam em uma experiência para jogadores. 

Em relação à quantidade de pessoas, Fullerton (2014, p. 402) afirma que o tamanho das equipes de desenvolvimento de jogos de consoles29 varia, podendo ter de cinco a 40 membros; enquanto o tempo de produção aproximado oscila entre quatro e 25 meses.

Segundo Bates (2004, p. 159), uma equipe de design é formada por um designer de jogos, designer de níveis (fases do jogo) e escritor. Embora todos os demais envolvidos no projeto participem, esse grupo é responsável por estabelecer a planta baixa do jogo. O designer de jogos, que frequentemente também é o escritor, cria o documento de design e o atualiza ao longo do desenvolvimento, além de escrever diálogos, narrativas de cenas, manuais, dicas e instruções para o jogo. Esse agente projeta a jogabilidade, a mecânica (que é composta pelos elementos que regem o funcionamento do jogo) e avalia quais ideias são interessantes para o projeto, considerando as ações do jogador para projetar o jogo, de modo a entretê-lo. Ademais, o designer geralmente assume a direção do design de níveis, cria o fluxo do jogo e interage em colaboração com o departamento de divulgação e vendas.

O autor recomenda que o designer aprenda e entenda a linguagem de programação, pois, embora a especialização tenha separado os papéis de designer e programador, entender a linguagem permite projetar e gerar ideias de modo direto e coerente. Além disso, uma das tarefas mais difíceis é se atualizar constantemente, em relação aos jogos que são lançados, visto que são muitos e exigem horas de dedicação. Para tanto, é possível procurar informações, textos e vídeos sobre os jogos para pré-selecionar o que de fato vale a pena testar, para jogar versões demo dos títulos selecionados.

Para Rogers (2012, p. 38), embora o cargo de designer muitas vezes receba outros nomes, tais como “diretor”, “planejador”, “produtor”, “designer líder” ou “designer sênior”, o designer é o profissional que entende de jogos e está se tornando cada vez mais especializado. Há designers de níveis que criam os mapas, o mundo, os inimigos e os itens; os designers de sistemas que se ocupam de criar determinados elementos, como o sistema interno de economia do jogo; os designers de script, que escrevem códigos; os designers de combate, que têm por objetivo equilibrar a experiência do jogador em relação aos inimigos. Enquanto diretor de criação, o designer mantém a visão geral do jogo e gerencia o processo, em comunicação com a equipe.

Schuytema (2008, p. 18) assegura que, ao trabalhar em uma equipe ou sozinho, o designer faz uso das mesmas habilidades – escrever e registrar informações sobre o jogo em documentos; ouvir e atentar para as oportunidades e compreender as limitações do projeto; defender e articular ideias para gerar uma experiência de jogo cada vez melhor, de acordo com as diretrizes e os recursos para o projeto; gerar e discutir ideias para o jogo; visualizar e documentar a experiência de jogo e a jogabilidade; criar protótipos que permitam testar a funcionalidade da jogabilidade; e criar scripts que documentam a determinação de eventos, ações e padrões de comportamento, que auxiliarão o programador. Além disso, o designer pode revisar e atualizar documentos, redigir textos e diálogos, implementar missões e testar o jogo (SCHUYTEMA, 2008, p. 26).

Dunniway e Novak (2008, p. 36) defendem que, independentemente do papel desempenhado no design de um jogo, o designer precisa entender cada habilidade do campo de atuação para compreender o jogo como um todo e entender como sistemas, mecânicas e ferramentas podem ser usados em sua criação. Tavares (2009, p. 242) complementa que o game designer é o agente que tem a visão do projeto do jogo por inteiro, responsável pelos conhecimentos da área e por balancear as mecânicas e os elementos da experiência do jogo, tais como sorte, habilidade, dificuldade e diversão.

Chagas (2009, p. 106) pontua que cabe ao designer de jogos conceber, especificar, projetar e acompanhar o processo até as etapas finais de testes, produção industrial e lançamento do jogo no mercado. Segundo a autora, para atuar no contexto brasileiro, esse profissional deve ter um amplo repertório de jogos, ter formação e embasamento teórico, visão mercadológica, compreender a tecnologia com a qual trabalha, ter experiência prática, saber trabalhar em equipe, saber comunicar ideias e conceitos, saber criar experiências e gerenciar a integração do trabalho, que envolve “a história, as regras, a interface com os jogadores, efeitos de som, música, elementos e efeitos visuais, cenários, personagens, animações”, para gerar uma experiência de jogo atrativa para o jogador (CHAGAS, 2009, p. 117).

Linzmayer (2014, p. 26) afirma que a produção nacional de games está em ascensão, em função de seu potencial mercadológico, pedagógico e artístico. Para o autor, o crescente número de cursos de graduação em jogos demonstra o interesse, por parte da geração que cresceu jogando, de participar ativamente da produção. 

Nesse contexto, Galisi (2009, p. 237) explica que há um complexo conjunto de conhecimentos envolvidos para projetar um jogo, dentre os quais destaca “modelagem e animação de cenários e personagens, arte, narrativas, psicologia, ferramentas de programação, lógica de programação, inteligência artificial, banco de dados, marketing, física e matemática, ciências sociais”. Na visão do autor, um curso de Design de Games deve fornecer sistematização de processos, mediante a complexidade dos jogos – produtos que merecem planejamento e concepção, do ponto de vista metodológico. 

Em relação ao designer e a Aprendizagem Baseada em Jogos Digitais, Prensky (2012, p. 247) enfatiza que a inexperiência com jogos tende a impactar o resultado e que a falta de perspectiva realista sobre a implementação desde o início pode culminar no fracasso do projeto. O autor acredita que o sucesso da combinação de educação e entretenimento depende mais dos responsáveis pela solução do que da tecnologia (PRENSKY, 2012, p. 543). 

Enquanto criador de experiências, Chagas (2009, p. 130) afirma que o designer de jogos tem fundamental importância no desenvolvimento de produtos de entretenimento, educação e treinamento, que proporcionem diversão e aprendizado, por meio de vivências.

Tavares (2009, p. 243) explana que a abordagem conteudista, em que o conteúdo deve ser ensinado, precisa ser abandonada, ao invés de transferir a responsabilidade do educador e da instituição para os produtores do jogo nessa tarefa. O autor defende que a busca por um jogo que contenha possibilidades para a discussão de conteúdos e o desenvolvimento de habilidades compete ao educador. 

Segundo Marklund e Taylor (2015, p. 363), o professor pode atuar de três modos em projetos de aprendizagem baseados em jogos: como tutor do jogo, como perito do jogo e como elo conector do assunto ao jogo.

O professor como tutor do jogo: o professor guia os estudantes e os auxilia, durante a experiência e as atividades do jogo.

O professor como perito dos modos educacionais de jogo: o educador atua para manter o estudante focado de modo construtivo no jogo; auxilia os novatos e direciona os proficientes.

O professor como elo conector do assunto: o professor cria a conexão entre o assunto a ser ensinado e a experiência do jogador e suas interações com o mundo do jogo.

Para os autores, é preciso que o educador tenha conhecimentos tecnológicos, seja instruído em jogos, seja especialista no conteúdo e tenha uma sólida base pedagógica. (MARKLUND; TAYLOR, 2005, p. 366).

Kenski (2015b, p. 18) afirma que a atuação do designer instrucional – inclusive dos que trabalham com games –, tem especificidades por diversas condições, tais como o tipo de ensino (presencial, semipresencial ou à distância), o propósito do curso (treinamento, formação, atualização, etc.), o tempo e os recursos disponíveis. 

Mattar (2010, p. 56) pondera que há uma diferença marcante entre o objetivo do designer de games (jogabilidade) e do designer instrucional (instrução) – e que os educadores devem aprender com os designers de games a capacidade de manter os estudantes engajados e desafiados constantemente. O autor afirma que a aprendizagem baseada em jogos digitais não significa apenas incluir jogos ou contratar um designer para desenvolver um jogo ou partes de um curso.

“Passei a defender a tese de que o designer de games tem de ser utilizado nos projetos como um designer de cursos. Pode-se pensar no designer de games participando ativamente no design de cursos, como designer de aprendizado (não como um simples produtor de objetos de aprendizagem) e como promotor da aprendizagem baseada em games

(MATTAR, 2010, p. 70).

Para tanto, Mattar (2010, p. 70) sugere a inclusão de disciplinas de pedagogia atualizada em cursos de Design de Jogos para formar designers instrucionais com uma concepção revitalizada com a da nova geração. De acordo com o autor, o designer de jogos educacionais deve entender de pedagogia, jogabilidade e design de níveis, pois para esse tipo de projeto é preciso projetar experiências que promovam a reflexão e a tomada de decisões. O design de jogos educacionais complexos requer, além da participação dos designers instrucionais, designers de jogos, tanto em nível gerencial quanto em nível específico, como designer de nível, designer de personagem; programadores, artistas, músicos, gerentes e jogadores avaliadores. No caso de projetos de menor complexidade, um número menor de pessoas pode assumir uma ou mais atividades (MATTAR, 2010, p. 83). 

O autor defende que é preciso criar uma estratégia de formação que inclua educadores e estudantes no desenvolvimento de jogos. “É necessária uma invasão de artistas, educadores e educandos no reduto do Design Instrucional, para que a educação seja transformada” (MATTAR, 2010, p. 149).

No que concerne a atuação do designer nos projetos de gamificação, Raftopoulos (2014, p. 170) afirma que o engajamento e a experiência do jogador em uma aplicação gamificada é, tipicamente, um meio para um fim (um resultado), ao invés de um fim em si mesmo (diversão). O autor pondera que, enquanto no desenvolvimento de jogos o papel do designer é ser o “advogado” do jogador para olhar o jogo de modo a proporcionar uma rica experiência, o designer da gamificação é frequentemente advogado do investidor. Como consequência, as dinâmicas e a efetividade dos elementos de jogo são afetadas. Para superar isso, o designer da gamificação tem o desafio de ser advogado do jogador e do investidor.

Nicholson (2015, p. 4) elucida que sistemas de gamificação usam condicionamentos para manter o jogador motivado e estimular comportamentos, sem necessariamente ter que fornecer recompensas em cada e toda ocasião. O designer da gamificação deve decidir que ações são necessárias e que recompensas serão fornecidas, de modo a manipular pessoas ao engajamento, por meio de prêmios tangíveis ou intangíveis.

Segundo o autor, o designer de uma gamificação significativa deve fornecer uma variedade de experiências e meios de motivar para aumentar as chances de cada participante encontrar algo significativo, tal como na aprendizagem – por meio das escolhas, as chances de os estudantes se conectarem ao material aumentam.

O designer da gamificação é responsável por definir os elementos centrais do sistema; escolher como conectar as atividades do meio jogável ao mundo real; dar aos estudantes escolhas para as atividades; determinar meios para fornecer informações aos estudantes sobre suas ações; fazer com que os estudantes motivem uns aos outros; fazer o estudante refletir sobre suas escolhas e ações (NICHOLSON, 2015, p. 13).

Morschheuser et al. (2017, p. 1305) declaram que o designer da gamificação deve entender as necessidades, a motivação, o comportamento do usuário e as características do contexto; identificar e definir objetivos projetuais; testar ideias de gamificação; seguir um processo de design iterativo; ter conhecimento profundo de Design de Jogos e psicologia; e definir métricas para a avaliação da abordagem de gamificação.

Ašeriškis e Damaševičius (2017, p. 433) reiteram que o objetivo do designer de gamificação deve ser aumentar e manter o número de usuários-jogadores e o tempo de uso, maximizando o envolvimento e a satisfação do usuário e minimizando frustração, para evitar que o sistema seja abandonado. Os autores recomendam que o designer realize coleta de dados para identificar requisitos projetuais e avaliar os resultados das soluções de gamificação, uma vez que há muitos mecanismos para motivar pessoas e esses funcionam de modo diferente, de acordo com as características e o perfil dos usuários. Por fim, Reiners e Wood (2014, p. 17) atestam que o designer da gamificação é responsável por garantir que cada tipo de jogador tenha um modo de apreciar e explorar o sistema para promover engajamento.

A partir da revisão de literatura, compreendeu-se que o Design de Jogos é a atividade que se encarrega de projetar a experiência de jogo; que o design de jogos educacionais fundamenta-se na dosagem de experiência de jogo e conteúdo, e que, apesar de todo jogo ter seu processo semiótico e seus princípios de aprendizagem ativa, os jogos educacionais são aqueles projetados com finalidade específica, além do entretenimento. 

Em relação à gamificação na educação, apesar de não haver concordância por parte dos autores consultados sobre a definição e a abrangência – se usar elementos que tornam o conteúdo mais parecido com um jogo é ou não gamificação, a discussão pode ser ampliada para um campo epistemológico, ao considerar ou desconsiderar o círculo mágico30 como elemento fundamental do jogo ou não31. Apesar de não ser o objetivo desta pesquisa realizar essa discussão, é relevante considerar que, na hipótese de o espaço da gamificação não se parecer com um jogo, esse ainda é um espaço fechado, separado do restante, pois o objetivo é usar elementos de jogos para motivar ações e promover engajamento – e ainda, se possível, deixar os usuários em estado de fluxo durante o processo. Considerando esses fatores, é possível afirmar que o círculo – enquanto espaço fechado, isolado, em que é praticada determinada atividade sob determinadas regras – ainda existe, seja esse um ambiente virtual de aprendizagem ou um aplicativo. 

Não obstante, estudos têm sido desenvolvidos sob ambos os vieses (gamificação estrutural e de conteúdo). O levantamento e a revisão sobre os modelos para a gamificação relatados são, em maioria, para a gamificação estrutural – embora modelos para gamificação de conteúdo também existam e sejam relatados como modelos para aprendizagem baseada em jogos digitais por Kapp, Blair e Mesch (2014) e para a gamificação na educação, por Kim e Lee (2015). 

A partir dessa constatação, na etapa de revisão de literatura sobre as soluções que envolvem jogos digitais ou seus elementos para a Educação Superior a Distância, serão considerados estudos sobre ambos os tipos de gamificação, quando o estudo assim o classificar. Portanto, se um estudo que fizer uso de jogo digital o classificar como aprendizagem baseada em jogos digitais, a solução será catalogada como jogo; quando o estudo consultado fizer uso de jogo digital e o classificar como gamificação, a solução projetual será computada como gamificação de conteúdo.

A respeito das etapas do processo de design de um jogo, constatou-se que suas etapas concentram esforços nas fases de pré-produção e produção, com grande destaque de cunho técnico e preocupação com a concepção, estruturação, prototipagem e aprimoramento constante, considerando o controle de qualidade e os testes. Em relação à pós-produção, a maior lacuna está na etapa de lançamento – fato que se justifica, em vista dessa ficar sob a responsabilidade de outro profissional, e não do designer de jogos.

Em contraste, os modelos de desenvolvimento de abordagens de aprendizagem baseadas em jogos digitais para a educação apresentam maior destaque para a fase de pré-produção (com ênfase na estruturação), produção e pós-produção (distribuição e avaliação). As lacunas mais frequentes observadas ocorrem na não previsão das etapas de compreensão e aplicação. 

As etapas dos modelos de gamificação em âmbito educacional dão relevo à fase de pré-produção, sobretudo a etapa de estruturação. As omissões mais impactantes do processo estão alocadas nas etapas de produção e pós-produção (aplicação e avaliação).

É importante ressaltar que os modelos selecionados de Design de Jogos apresentam “boas práticas” em relação à inclusão do usuário-teste (o jogador) durante o desenvolvimento do jogo, em contraste com a ausência do usuário-estudante constatada em alguns modelos de abordagens para Aprendizagem Baseada em Jogos Digitais e gamificação na educação. Destaca-se, portanto, o diferencial do Design de Jogos que inclui uma série de testes realizados (testes de interface, testes de combate, testes de versões alfa, beta; testes on-line; testes de versões de acesso antecipado, etc.), em relação à aprendizagem baseada em jogos digitais e a gamificação.

A identificação dos parâmetros e das etapas basilares projetuais para esse tipo de solução foi fundamental para o desenvolvimento da pesquisa e da construção de um instrumento de coleta de dados para lançar um olhar sobre a produção nacional e internacional, em busca de entender, posteriormente, como e em que etapas do processo projetual designer, estudante e professor atuam.

A partir da literatura, ficou evidenciado que os jogos para entretenimento, os jogos educacionais e a gamificação para a educação são feitos por meio de diversas abordagens e métodos, solicitados pelo contexto e pela expertise da equipe, não havendo, portanto, um método único. 

Notou-se, entretanto, que independente do contexto – se para fins de entretenimento ou educacionais –, o designer não é um profissional que atua isoladamente. Esse profissional é entendido como o advogado do jogador, ao projetar um jogo e conduzir o projeto, em diálogo com toda a equipe. No âmbito da gamificação, os autores concordam que compete ao designer projetar um modelo de reforço ao usuário que o ajude a mitigar a frustração e fornecer prêmios para reconhecer esforços.

A identificação das características técnicas, tais como o gênero de jogo, as qualidades gráficas, as plataformas para o desenvolvimento e uso final, dos elementos, das definições de jogos (de entretenimento e educacionais) e da gamificação são pertinentes para construir um olhar sobre o esses tipos de solução projetual.

Tendo apresentado o Design de Jogos, alguns de seus desdobramentos em âmbito educacional, suas características conceituais, estruturais e tecnológicas, seus processos e etapas projetuais, a pesquisa se volta para a investigação sobre o contexto – a Educação a Distância. Os dados coletados por meio da revisão de literatura neste capítulo contribuíram para compor os parâmetros da área da ficha de categorização das soluções lúdicas (apêndice A), segundo parâmetros da área Design de Jogos. 

O instrumento de coleta de dados de parâmetros da área foi dividido em partes relativas às soluções de jogos digitais e de gamificação, considerando os “aspectos técnicos” e “aspectos projetuais”. 

A subseção de aspectos técnicos dos jogos digitais diz respeito à coleta de dados sobre a proposta do jogo, tal como o gênero, a linguagem gráfica, a ferramenta de desenvolvimento e a plataforma para a qual foi projetado. Os aspectos técnicos de gamificação, por sua vez, tem por objetivo aferir o tipo de gamificação, seus elementos e o dispositivo para o qual foi desenvolvida. 

A subseção de aspectos projetuais visa organizar dados sobre o método, a duração e o financiamento para o desenvolvimento, além de informações sobre a equipe desenvolvedora e a forma de avaliação dos resultados do projeto.

Quadro 2.14 – Parâmetros da área do instrumento de coleta de dados.
PARÂMETROS DA ÁREA (DESIGN DE JOGOS)
ASPECTOS TÉCNICOS DE JOGOS DIGITAIS
Características Especificidades
Gênero  
Característica gráfica  
Software, engine, linguagem  
Dispositivo e plataforma  
ASPECTOS TÉCNICOS DE GAMIFICAÇÃO
Características Especificidades
Tipo  
Elementos  
Dispositivo e plataforma  
ASPECTOS PROJETUAIS
Características Especificidades
Método para o desenvolvimento  
Equipe de desenvolvimento  
Tempo de desenvolvimento  
Avaliação dos resultados  
Financiamento  
Fonte: Elaborado pela autora.

Essa ficha de categorização, enquanto instrumento para a sistematização do levantamento de dados das soluções lúdicas para a Educação a Distância, será complementada a partir do capítulo seguinte, que disserta sobre o contexto da delimitação do objeto de estudo – a Educação a Distância.

1
Portal de Periódicos Capes. Disponível em: http://www.periodicos.capes.gov.br/. Acesso em abr. 2020. Ver no texto
2
Google Acadêmico. Disponível em: https://scholar.google.com.br/. Acesso em abr. 2020. Ver no texto
3
ScienceDirect. Disponível em: https://www.sciencedirect.com/. Acesso em abr. 2020. Ver no texto
4
SciELO. http://www.scielo.org. Acesso em abr. 2020. Ver no texto
5
GameMaker. Disponível em: https://www.yoyogames.com/gamemaker. Acesso em abr. 2020. Ver no texto
6
GameSalad. Disponível em: https://gamesalad.com. Acesso em abr. 2020. Ver no texto
7
Construct2. Disponível em: https://www.scirra.com/store/construct-2. Acesso em abr. 2020. Ver no texto
8
Stencyl. Disponível em: http://www.stencyl.com. Acesso em abr. 2020. Ver no texto
9
C é uma das linguagens mais antigas e populares por sua eficiência e portabilidade, voltada para programar funções. C# é uma linguagem voltada para a programação de objetos. C++ é uma linguagem voltada para a programação de objetos e projetos de alto nível de desempenho (NOLIN, 2014, p. 243). Ver no texto
10
Schuytema (2008, p. 129) explica que Lua é uma linguagem de programação, mas também uma interface de programação de aplicações, que pode compartilhar dados e pode servir de estrutura para a construção de uma linguagem específica para o projeto. Ver no texto
11
Maya. Disponível em: https://www.autodesk.com/products/maya/. Acesso em abr. 2020. Ver no texto
12
3ds Max. Disponível em: https://www.autodesk.com.br/products/3ds-max. Acesso em abr. 2020. Ver no texto
13
Blender. Disponível em: https://www.blender.org/. Acesso em abr. 2020. Ver no texto
14
CryEngine. Disponível em: https://www.cryengine.com. Acesso em abr. 2020. Ver no texto
15
Torque3D. Disponível em: http://torque3d.org/. Acesso em abr. 2020. Ver no texto
16
Unity. Disponível em: https://unity3d.com. Acesso em abr. 2020. Ver no texto
17
Unreal Engine. Disponível em: https://www.unrealengine.com. Acesso em abr. 2020. Ver no texto
18
Hypertext Markup Language, versão 5, linguagem de marcação, comumente usada para construir páginas na Web. Ver no texto
19
Adobe Flash. Adobe Flash. Disponível em: https://www.adobe.com/products/flash-builder-family.html. Acesso em abr. 2020. Ver no texto
20
ADDIE é a abreviação, na língua inglesa, dos termos análise, design, desenvolvimento, implementação e avaliação – um modelo para o desenvolvimento de materiais instrucionais (NADOLSKI et al., 2008, p. 2). Ver no texto
21
Ferramentas autorais: a) modelos para jogo: ActiveDen; C3 Softworks’ Bravo; eLearning Brothers; Jeopardy Lab; Knowledge Guru; Raptivity; b) animação de personagem: CodeBaby; Crazy Talk; Media Semantics; NOAH; c) criação de jogos: Articulate Storyline; Adobe Captivate; JeLSIM Builder; Lectora; Quandary; What2Learn; ZebraZapps (KAPP, BLAIR E MESCH, 2014, p. 276). Ver no texto
22
Motores de jogo: a) jogos em 2D: YoYo Games GameMaker; GameSalad; Scirra Construct2; Stencyl; b) jogos em 3D: CryEngine; ThinkingWorlds; Torque 3D; Unity3D; Unreal Engine (KAPP, BLAIR E MESCH, 2014, p. 279). Ver no texto
23
Quest to Learn. Disponível em: http://www.q2l.org. Acesso em out. 2017. Ver no texto
24
Institute of Play. Disponível em: https://www.instituteofplay.org/. Acesso em out. 2017. Ver no texto
25
Essa divisão e classificação dos termos ludus e paidia faz referência à delimitação proposta pelo intelectual Rogers Caillois, como os dois extremos da atividade lúdica (CAILLOIS, 2001, p. 13). Ver no texto
26
Em inglês, serious games, jogos projetados com um propósito primário além do puro entretenimento. Ver no texto
27
Advergames ou advertainment são jogos projetados para a publicidade, com o fim específico de divulgar um produto ou serviço aos consumidores (NOVAK, 2011, p. 88). Ver no texto
28
Jogos para promover mudança social. Iniciativa divulgada no portal na Web, conhecida popularmente pela sigla G4C. Disponível: http://www.gamesforchange.org. Acesso em abr. 2020. Ver no texto
29
Consoles NES, Genesis, SNES, PSX, PS2, GameCube, Xbox, Xbox 360, Wii, PS3 (FULLERTON, 2014, p. 402). Ver no texto
30
O círculo mágico, de acordo com Huizinga (2010, p. 13), se configura como um espaço separado do mundo habitual em que se pratica uma atividade, segundo determinadas regras. Esse conceito foi expandido por Salen e Zimmerman (2012, p. 110) para a mídia digital. Ver no texto
31
Pontos de vista divergentes sobre a questão podem ser conferidos em Juul (2011, p. 164); Calleja (2012, p. 5); Zimmerman (2012, n.p.); McGonigal (2014, p. 655); e Stenros (2014, p. 3). Ver no texto
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