Introdução Introdução
Modernidade ou tempos modernos reflexões sobre a construção dos conceitos históricos
Reinhart Koselleck (1923 – 2006), um dos mais eruditos historiadores contemporâneos e, talvez, o principal construtor da ideia de uma “história dos conceitos”, apresenta em sua obra “Futuro Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos” (2006) uma importante reflexão sobre a construção do conceito de modernidade ou tempos modernos. De acordo com Koselleck, a investigação sobre a construção dos principais conceitos em determinada sociedade, nos revela um ponto de vista orientado para o presente, assim como um componente de planejamento do futuro. Por isso, torna-se relevante saber, por exemplo, quando um conceito específico passou a ser empregado de forma rigorosa, indicando uma transformação social e política de profundidade histórica.
De acordo com Koselleck (2006, p. 269), o conceito de tempos modernos ou modernidade só aparece documentado em 1870, sendo utilizado comumente apenas em fins do século XIX – ou seja, quatro séculos após o início da vigência do período que nomeia. Este é um fenômeno comum, pois um período histórico só pode ser reduzido a um conceito após um período de tempo, que é quando se toma consciência de que houve efetivamente uma mudança.
É interessante destacar que as duas expressões – tempos modernos e modernidade – inicialmente não designavam o período de tempo que conhecemos hoje. Na verdade, indicavam apenas algo novo. Observemos que a forma como atualmente organizamos o tempo exige um elevado grau de abstração, o que torna necessária uma análise de profundidade temporal. Nesse sentido, os estudos de Koselleck (2006) apontam o período moderno como o momento em que esse processo é possibilitado, na medida em que uma conjunção de fatores levou os indivíduos a estabelecerem uma nova relação com o tempo que ultrapassava seu instante de vida, e, assim, a moldarem uma nova visão sobre a temporalidade, que não mais seria encarada como um instrumento através do qual se desenvolve a história, mas se tornaria um sujeito histórico em si.
Segundo o historiador alemão, a expressão tempos modernos surge, inicialmente, com a finalidade de diferenciar o período que abarca do que lhe é anterior: a Idade Média, e nesse sentido, aponta os conceitos de Renascimento e Reforma como os marcadores da separação entre o período medieval e a Modernidade. Contudo, o autor também destaca que o processo de consagração desses movimentos enquanto fenômenos de ruptura demandou longo prazo. Com efeito, ao analisar o Renascimento, percebemos que os humanistas utilizavam expressões como despertar e florescer para caracterizar o período vivenciado com suas novidades, mas que seria somente no século XIX que Jules Michelet (1798-1874) e Jacob Burckhardt (1818-1897) o efetivariam como definidor de uma época (KOSELLECK, 2006, p. 272-274).
O conceito de Reforma, por sua vez, foi introduzido mais rapidamente, primeiro designando uma época limítrofe entre o Catolicismo e o Protestantismo, e depois definindo um novo período da História. Portanto, de acordo com Koselleck (2006, p. 272-274), primeiro se consolidou a expressão Idade Média, depois Renascimento e Reforma como conceitos que definem períodos temporais específicos. Assim, se inicialmente é possível considerar a ideia de tempos modernos como uma simples oposição ao antigo, num segundo momento, o novo tempo passou a significar uma nova experiência que jamais havia acontecido, conferindo uma nova dimensão à época. Dessa forma, a modernidade seria identificada como um período que estaria à frente dos tempos médios e que seria separada destes através do Renascimento e da Reforma.
De fato, no decorrer da Modernidade, na medida em que as expectativas cristãs sobre o fim do mundo deixaram de ser constantes, o futuro passou a ter mais espaço na mentalidade humana. O progresso e o avanço das ciências passaram a anunciar a chegada de um futuro que estava cada vez mais acessível às pessoas. Por outro lado, a chegada dos europeus à América e em outras zonas do globo terrestre, apresentou aos habitantes do Velho Mundo povos diferentes com graus distintos de civilização vivendo sob o mesmo espaço-temporal. Como consequência, a comparação se tornou um elemento-chave para a Modernidade, contribuindo para a criação de uma nova consciência (KOSELLECK, 2006, p. 284-285).
Esta nova consciência de época, desde o final do século XVIII, caracteriza-se pelo fato de o próprio tempo não ser mais experimentado apenas como fim ou como começo, mas como um tempo de transição. Com a emergência da Modernidade, os eventos passaram a ser narrados e avaliados de forma diferente. Poderiam existir distintas representações, igualmente verdadeiras, dos mesmos acontecimentos. Por isso, os eventos perderam o caráter estável, pois tudo mudava rapidamente e, dessa forma, a história passou a ser continuamente reescrita. Essa associação de reflexão histórica e consciência do movimento em direção ao progresso permitiu destacar o período moderno em comparação com os períodos precedentes (KOSELLECK, 2006).
Assim, no decurso da época moderna abre-se o fosso entre a experiência anterior e a expectativa do que há de vir, crescendo a diferença entre passado e futuro, de modo que a época que se vive passa a ser experimentada como um tempo de ruptura e de transição, em que continuamente aparecem coisas novas e inesperadas. Logo, segundo Koselleck (2006), a consciência do caráter único de cada época tornou-se permanente e se constituiu como um critério daquilo que mais tarde foi chamado de modernidade.